Michael Haneke não é um artista fácil. Suas obras são de difícil absorção; sendo indicadas apenas para aqueles que realmente procuram algo que fuja do habitual. Seus filmes investigam o cerne do ser humano, mostrando sempre facetas assustadoras de nossa sociedade. “Violência Gratuita”, (os dois, já que houve uma refilmagem feita pelo próprio Haneke para Hollywood) o mais conhecido deles, é um exemplo da escuridão que nos assola. Em sua atual fase e já septuagenário, o cineasta austríaco passou a discutir a morte e a falta de significado da vida, filmando o avassalador “Amor”.
Como uma espécie de continuação de “Amor” ele lança em 2017 “Happy End”, que dividiu opiniões em Cannes, mas entregou o de costume: discussões sobre o sentido da vida, junto com uma clara critica a burguesia europeia. A história se passa em Calais, França. Georges Laurent (Jean-Louis Trintignant) é o patriarca da família, que está preso em uma cadeira de rodas. Sua filha Anne (Isabelle Huppert) ainda mora com ele, enquanto que seu filho Thomas (Matthieu Kassovitz) acaba de retornar para a casa do pai, junto com a esposa e a filha Eve (Fantine Harduin), cuja mãe faleceu recentemente. A família é claramente disfuncional e a interação entre eles desperta grande interesse.
O niilismo aflora em cada frame capturado pela câmera do diretor de fotografia Christian Berger. As cores frias e os planos fechados são fantasmagóricos. Até a ensolarada praia é afetada pelo vento e a areia escura. No início do primeiro ato vemos alguém filmar de um celular a morte de um camundongo e também de uma mulher. As mensagens que aparecem na tela do celular, enquanto vemos as imagens chocantes, são esclarecedoras, e entendemos que a causadora das mortes é a mesma pessoa que filma. Ela envenena suas vítimas com overdose de antidepressivos. A frieza dessa sequência dá o tom do filme, nos fazendo entender que a vida para aqueles personagens não passa de algo banal. O vazio da família é representado pelo personagem de Trintignant. Suas tentativas de suicídio são diversas e sempre frustradas, o que gera até um pouco de humor patético.
Se Trintignant é o vazio, Huppert é a imagem de uma burguesia que só se importa com os bens materiais e com convenções. Não há aqui uma personagem mimada, que segue estereótipos de alguém abastado, e sim uma mulher com frieza no olhar. O olhar que está direcionado à empresa da família e não aos seus membros. O relacionamento de Anne com o filho pode até parecer amoroso, mas ela só está preocupada com um sucessor, aquele que ficará a cargo dos negócios. Haneke segue todos com sua câmera, passeando em casas luxuosas, praias e restaurantes. Parece tentar entrar na mente de todos e descobrir quais são seus propósitos. Não encontra nada de fato, apenas a vontade de não existir.
O roteiro configura suas pretensões em Eve. Assim como o avô, ela possui tendências suicidas e se vê em uma família que pouco conhece (principalmente com um pai ausente desde que ela nasceu). É curioso colocar o avô em um lado – como em um final de uma história – e a neta de outro. A família está podre de inicio ao fim, o ideal seria que sumissem, assim como outras que formam a atual Europa idealizada. Os imigrantes também dão as caras, por assim dizer. São os empregados e os andarilhos que vivem no subúrbio, longe dos restaurantes, do luxo e das praias. Eles não existem de fato, estão fora da sociedade. Sociedade essa dominada por pessoas como Anne, que, com seus vazios existenciais, subjugam o que poderia se tornar humano.
* Filme assistido durante a 41ª Mostra de São Paulo, ainda sem data de estreia.
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