Feito sem storyboards, toda a animação foi feita de forma livre
Poucas vezes na vida nos deparamos com peças únicas na arte. Os realizadores estão se tornando cada vez menos originais, e agora, aqueles que ainda se prendem a sua criatividade, disputam espaço com inteligências artificiais dotadas de “prompts” e ideias recicladas. Logo, sempre que nos deparamos com algo totalmente fora da curva, podemos soar exagerados e até sentimentais. Mas no caso de “Bizarros Peixes das Fossas Abissais”, todo e qualquer elogio soa pequeno diante da grandeza dessa ode a criatividade e a animação.
Neste filme, mergulhamos extremamente fundo na mente absurda de Marcelo Fabri Marão: diretor, roteirista e uma das principais referências brasileiras no mundo da animação. O enredo é extremamente simples: uma mulher com o poder de metamorfosear sua bunda em um gorila, uma nuvem com incontinência urinaria/pluviométrica, e uma tartaruga com transtorno obsessivo-compulsivo se juntam em uma jornada épica guiados por fragmentos de um vaso de cerâmica. “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” reconhece sua absurdez e constrói uma espécie de caos organizado, e gera uma das melhores animações brasileiras dos últimos tempos.
Grande parte do mérito do filme está intrínseco ao seu visual. Mourão destrincha ao máximo a técnica utilizada para a animação e explora os limites de sua própria criatividade. Feito completamente em lápis e papel, a equipe composta exclusivamente por três profissionais: Fernando Miller, Rosaria e o próprio Mourão; entregam um resultado único, onde cada sequência possui suas particularidades, intrínsecas ao seu conceito. O longa se reinventa por diversas vezes, e não cansa de nos surpreender a cada cenário que somos introduzidos, alterando os traços e a forma como os personagens se dispõem em meio as situações. Mas o que realmente cativa o telespectador são seus detalhes. Como por exemplo, a pequena tartaruga, que sempre que se depara com um obstáculo, esfrega suas patas no rosto, extremamente irritada.
E se você pensa que toda essa história acontece em um mundo fantástico, você está muito enganado. O filme começa em meio aos arcos da lapa, caminha para a supervia de Nilópolis e aterrissa nos campos de Araraquara… e nós estamos falando somente do primeiro ato da história. Mourão fantasia o cotidiano através dos seus personagens e transforma os cenários mais comuns aos nossos olhos no mundo fantástico que nós esperávamos ao entrar na sala de cinema. Só então, ele caminha lentamente para o desconhecido, e quando nos deparamos, estamos nas profundas fossas abissais. A tela é invadida por criaturas fantásticas, com animações magníficas. O cuidado e o carinho aqui depositados são visíveis, e deixa qualquer um boquiaberto com a beleza dos movimentos de cada um daqueles seres.
E se você achou que a grandeza do filme para por aí, você está muito enganado. Aqui, Guilherme Brigs se junta a Rodrigo Santoro e Natália Lage para compor as vozes do esdrúxulo trio de protagonistas. Com diálogos de humor non-sense, acompanhando o teor da narrativa, eles entregam interpretações magníficas, capazes de inclusive nos emocionar ao final do filme.
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Sim, após acompanhar o trio nessa jornada absurda, compreendendo os dilemas de cada personagem, é impossível não ficar extremamente reflexivo com o final que toca em temas como identidade, memória e laços familiares. “Bizarros Peixes das Fossas Abissais” é, sem dúvida, um espetáculo. O desejo que fica após sair da sessão é de que mais animações como essa encontrem seu espaço nas salas de cinema brasileiras.
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