Nessa nova produção do cineasta novaiorquino, ambientada na Coney Island dos anos 1950, Kate Winslet vive Ginny, uma mulher de meia-idade presa em um casamento infeliz e em uma profissão indesejada. Sua única esperança de mudar de vida é fugir com o salva-vidas Mickey (Justin Timberlake), seu amante mais jovem. Essa possibilidade, contudo, logo se esvai com a chegada de Carolina (Juno Temple). Enteada de Ginny, ela volta a viver com o pai, Humpty (James Belushi), após anos afastada e muda toda a dinâmica da casa.
Apesar de a trama parecer pouco original, Allen acerta ao assumir sua inspiração no teatro. As atuações exageradas justificam-se na opção por contar a história do ponto de vista do salva-vidas e inclui-lo como narrador desde a primeira cena, na qual confessa seu excesso poético. Mesmo que falte a Timberlake repertório como ator, o recurso funciona. Já a performance de Winslet, particularmente acima do tom, ganha ainda outra explicação. Sua personagem, uma frustrada aspirante à atriz, encara a vida como um grande palco e desempenha diariamente vários papéis: o de garçonete, o de dona de casa, o de madrasta, o de mãe do pequeno e problemático Richie (Jack Gore), entre muitos outros.
Dentre essas funções, talvez a mais difícil para ela seja a de mãe. E o filme revela isso na própria construção das personagens. De um lado, está Ginny, uma mulher marcada pelo elemento água. A praia representa para ela tranquilidade – lá caminha para relaxar – e esperança – lá encontra refúgio nos braços de Mickey. Do outro, está Richie, marcado pelo elemento oposto, o fogo. As chamas exercem grande fascínio no piromaníaco garoto, e sua mãe, apesar de esforçar-se, não consegue controlá-lo.
Se, por um lado, afasta-se do filho, a personagem aproxima-se, por outro, da própria Coney Island. Assim como o lugar, ela teve um passado vivo e hoje experimenta sua decadência. Enquanto a protagonista sonhava tornar-se uma grande atriz, a península vivia cheia de crianças em seu parque. O presente, no entanto, caracteriza-se por um esvaziamento: no caso de Coney Island, físico; no de Ginny, emocional.
Coube a Vittorio Storaro, diretor de fotografia vencedor de 3 Oscars, a tarefa de traduzir imageticamente essas ideias. Ele já havia trabalhado com Woody Allen em “Café Society” (2016), encerrando a parceria anterior do cineasta com o iraniano Darius Khondji, indicado ao Oscar por “Evita” (1996). Ainda que ambos sejam excelentes, o uso expressivo de cor e luz do italiano harmoniza-se melhor com os conflitos presentes nos últimos roteiros de Allen.
Como exemplo de uma das oposições acentuadas pela fotografia, a vividez das ruas contrapõe-se à tristeza do apartamento onde o casal vive. Storaro intensifica essa contradição com a predominância de um tom escaldante de vermelho nos ambientes externos e de um tom melancólico de azul nos internos. As cores marcam, ainda, não só na fotografia mas também no figurino de Suzy Benzinger – colaboradora recorrente de Allen – o estado emocional da protagonista: as quentes traduzem paixão, enquanto as frias, angústia. Quanto à iluminação, por fim, Storaro ajuda a explicitar a inspiração teatral já indicada pelo roteiro. Para isso, ele direciona as luzes, principalmente nos monólogos de Ginny, de forma análoga à que se faz no palco.
Beneficiado por esse interessante tratamento de imagem, “Roda Gigante” acerta mais do que erra, apesar de parecer em certos momentos datado e pouco original. Não faz frente aos melhores filmes de seu cineasta, mas de toda maneira merece ser visto.
*O filme estreia dia 28, quinta-feira.
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.
Muito bom, Luiz! Acho que tivemos mais ou menos a mesma impressão do filme! Mas essa simbologia dela com a água e do filho com o fogo eu não havia parado para pensar, realmente ficou muito legal isso! 🙂