A Batalha Da Rua Maria Antônia Estreia Com Premiação De Melhor Filme de Ficção do 25º Festival De Cinema Do Rio
Vencedor de Melhor Filme de Ficção do 25º Festival de Cinema do Rio, o longa-metragem “A batalha da rua Maria Antônia”, de Vera Egito, traz ao público uma leitura sensível sobre o começo de um dos piores momentos históricos do Brasil. O filme é, além de uma sequência de escolhas acertadas de produção, roteiro e fotografia, um lembrete da importância de se estar “atento e forte”, como diriam Gil e Caetano eternizados na voz de Gal Costa.
O ano é 1968 e o Brasil já vive a ditadura militar, mas ainda no período pré AI-5. Nesse contexto, o movimento estudantil organiza uma votação, da qual devem participar estudantes das universidades locais. A tensão crescente vai se instaurando na medida em que o grupo de universitários da faculdade de filosofia da USP busca a melhor solução para garantir que alunos da universidade Mackenzie, que fica no prédio logo em frente, possam votar em um processo democrático e igualitário. Na Mackenzie, no entanto, está instalado um grupo paramilitar (com membros disfarçados de estudantes) chamado Comando de Caça aos Comunistas (CCC) que ao longo de todo o dia de votação provocam e agridem verbal e fisicamente a juventude militante da USP.
Como sugere o próprio nome do filme, essa atmosfera tensa vai culminar em confrontos que vão envolver não somente alunos, professores e o CCC, mas também a polícia local que, à revelia da legislação, vai interceder em favor dos interesses militares.
O longa fez sua estreia mundial no Festival do Rio, e trouxe ao público uma linguagem cinematográfica ímpar. Rodado em película – algo cada vez mais raro – tem a estética de filmes antigos em preto e branco, deixando mais forte o sentimento de historicidade dado à narrativa. Quase como se pudéssemos acompanhar a história sendo contada nas antigas televisões dos anos 1960. O roteiro nos é apresentado em 21 planos sequência com início e fim bem delimitados, tornando-o um filme sem transições entre cenas. A câmera na mão do cinegrafista acompanha os deslocamentos dos atores muito bem alinhados em suas marcações. Haja ensaio! Pois, para rodar um plano sequência é necessário que toda uma cena (de alguns minutos ininterruptos) se desenvolva sem erros, cada desafino significa recomeçar do início.
Outro destaque merecido vai para a direção de arte de Valéria Costa e coordenada por Paulo Olivera. A locação onde o filme foi rodado é o real prédio de filosofia da USP, patrimônio tombado. O que significa dizer que nenhuma alteração – que não tenha caráter de restauro – pode ser realizada. Tornando o trabalho de transportar o edifício de hoje para a realidade histórica de 1968 algo desafiador. Ainda que estruturalmente a locação já traga consigo parte da história, toda dinâmica de um período de resistência estudantil e docente desenvolvida dentro de suas paredes, conseguiu ser retratada com riqueza de detalhes. Além, é claro, do desafio de realizar cenas de confronto com coquetéis molotov e incêndios dentro da universidade sem gerar danos.
A opção por não ter uma trilha sonora também é algo interessante para a narrativa, permitindo que a história seja contada de maneira não romantizada e permitindo ao público partilhar de uma aflição ofegante digna do escalonamento do confronto. E por falar em romance, talvez a crítica que possa ser feita se dá justamente na opção de amarrar a personagem principal em uma história de amor platônico desnecessária para a construção do roteiro. Os laços afetivos criados por relações de amizade de uma vida, ou mesmo pela luta coletiva, já são suficientes para justificar o não abandono de uma pessoa querida. Talvez o recurso romântico deslize num artifício narrativo fácil, e nesse caso altamente dispensável.
Leia mais: Crítica de "Meu Nome É Gal"
“A Batalha da Rua Maria Antônia” é uma preciosidade do cinema nacional. Pela sua estética e por trazer à luz a luta de uma juventude engajada, destemida e verdadeiramente apaixonada pelo Brasil e pela democracia. É uma lembrança de que o bem-estar social não é algo garantido, e que devemos sempre estar vigilantes e atuantes para que tempos repressivos não voltem a assombrar o Brasil. O filme, em sua qualidade, também nos mostra como somos capazes de produzir coisas incríveis, e que fomentar a arte é fomentar o bem viver de toda população. Que sigamos valorizando e garantindo recursos para o cinema nacional!
* “A Batalha da Rua Maria Antônia” foi visto durante o Festival do Rio 2023.
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.