A peça de teatro musical “Bonnie & Clyde”, sob a direção de João Fonseca, com direção musical de Thiago Gimenes e coreografia de Keila Bueno, esteve em cartaz de março a maio no 033ROOFTOP. A história acompanha a biografia dos dois famosos criminosos que dão título à peça e que se tornaram lendas na época da Grande Depressão nos Estados Unidos.
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O elenco contou com Eline Porto no papel de Bonnie e Beto Sargentelli no papel de Clyde. Os outros personagens foram interpretados por Aline Cunha (Eleanore), Aurora Dias (Cumie Barrow), Bruna Estevam (jovem Bonnie), Davi Novaes (cover de jovem Clyde e swing), Elá Marinho (Governadora Ferguson), Gui Giannetto (Pastor), Lara Suleiman (cover de jovem Bonnie e swing), Mariana Gallindo (Emma Parker), Oscar Fabião (Xerife Schmidt), Pedro Navarro (Ted), Rafael de Castro (Henry Barrow), Thiago Perticarrari (Delegado Johnson) e Yudchi Taniguti (jovem Clyde).
Após o avassalador período da pandemia que paralisou as atividades teatrais no Brasil e no mundo, esperava-se que as peças musicais que voltassem aos palcos brasileiros trouxessem de volta nosso prazer em assisti-las. Bonnie & Clyde, feliz ou infelizmente, embora tivesse apresentações com a casa lotada, um elenco talentoso e alguns outros aspectos positivos que discutiremos adiante, não ressoa muito ao contexto brasileiro, diferente de outras adaptações que aqui chegam, como Wicked, por exemplo. Isso nos deu a sensação de estar vendo algo fora do contexto temporal e espacial, ou em outros termos, com as ideias fora do lugar. Afinal, o que essa montagem pode significar no e para o Brasil?
Quanto aos personagens e ao elenco, a peça apresenta a biografia de Bonnie e Clyde, abrangendo desde a infância até a morte deles. A peça funciona ao demonstrar os contrastes entre os diversos personagens, o que indica de modo generalizado a personalidade deles, mas não os contextualiza, de modo que não sabemos quem são e suas reais motivações.
Por exemplo, em determinado momento da peça, conhecemos Ted, o policial da prisão, que se apaixona por Bonnie, e o restante de sua participação na peça se resume a isso. É apresentado que Bonnie sonha desde criança em ser famosa, e ao decorrer da peça vemos que ela fica feliz em ter saído em uma fotografia de jornal como procurada. No entanto, o desenvolvimento do arco da personagem ignora ou deixa muito apagada sua motivação ou sonho inicial. Se Ted não apresenta nenhuma evolução, isto é, é o mesmo personagem no começo e no final da peça, Bonnie passa por uma transformação, mas que se afasta do que foi inicialmente apresentado.
Focando no contraste entre personagens, a família é outro fator importante. A mãe de Bonnie tem uma presença maior no palco do que os pais de Clyde, e enquanto a primeira parece ter uma relação mais afetiva com a filha, o mesmo não pode ser dito da outra família. Grosso modo, é como se a família de Clyde se resumisse ao irmão Buck, vivido por Claudio Lins. Dessa forma, se os pais de Clyde fossem retirados da peça, não haveria diferença significativa para a história.
A peça trabalha com outros contrastes funcionais e disfuncionais para o enredo, como a parceira ideal e a esposa marginal, a reprimida e a livre (Emma Parker e Bonnie, respectivamente), o inteligente e o bobo (Bonnie e Buck), entre outros. Ainda, embora a peça se chame Bonnie e Clyde, o personagem masculino tem um destaque muito maior, contrastando com a protagonista feminina, que fica um pouco mais apagada.
Se o primeiro ato da peça serve para introduzir os personagens e esboça alguns problemas que eles enfrentam, o segundo ato encaminha melhor uma grande maioria deles, aprofundando-se em aspectos psicológicos e encerrando de forma satisfatória seus arcos. Um exemplo disso é o arco de Emma Parker, que é apresentada como uma devota fiel da Igreja, mas que abandona esse ideal e entende melhor as motivações de seu cunhado, tornando-se cúmplice do casal Bonnie e Clyde, que passam a atuar como uma equipe de Robin Hood.
Até aqui, analisamos os personagens e suas disposições no roteiro, não o trabalho dos atores e atrizes. Essa peça é um típico caso em que o roteiro não é tão bom, mas a direção e a atuação salvam. O nosso destaque especial vai pra Mariana Gallindo. Que voz! Que presença de palco! Que atuação! Esperamos muito vê-la nos palcos em breve.
Um problema que a peça apresentou foi o desalinhamento entre a voz e a banda, algo que é considerado grave no teatro musical, uma vez que a música deve ser destacada. O som da banda estava muito alto, tornando difícil ouvir a voz dos cantores, que ficou abafada e prejudicou a compreensão das letras. No entanto, nos momentos em que isso não ocorreu, as músicas eram agradáveis de se ouvir.
Quanto ao cenário, ele era estático e glamouroso, adequado ao período retratado na peça, mas não foi funcional. Parte do palco atravessava a plateia, talvez com a intenção de fazer o público emergir dentro do espetáculo, mas a disposição de mesas e cadeiras onde estavam os espectadores dificultou a visualização das cenas que não aconteciam no palco principal, porque para vê-las seria necessário se levantar do lugar e se aproximar. Além disso, a iluminação era funcional, mas não apresentava nada de extraordinário. Era o único recurso utilizado para diferenciar os vários locais no palco principal, que, por ser estático, em diversos momentos dificultava a compreensão de qual lugar estava acontecendo o que víamos.
Em relação ao tema, a peça se propõe a ser uma biografia dos personagens Bonnie e Clyde. Dessa forma, o contexto do crime é a base da peça, que desenvolve o arco desses personagens a partir de sua transformação nos bandidos mais famosos do mundo e como isso afeta suas famílias e amigos. A peça esboça temas paralelos, como a presença da fé e da moral ou ainda do contraste entre ricos e pobres em tempos de crise, mas embora esses traços atravessem-na, não possuem muita força ao longo do drama.
Em relação ao roteiro, a peça se divide em dois atos: No primeiro, os personagens são introduzidos e suas motivações, mais ou menos apresentadas. Vemos o contexto de formação de Bonnie e Clyde, como se conheceram e suas vidas cotidianas, bem como as temáticas mencionadas no parágrafo anterior, que ficam um pouco dispersas. No segundo, a desordem da temática inicial se resolve. Vemos os personagens em ação, assaltando bancos, as parcerias entre Clyde e o irmão, a relação conflituosa de Bonnie com Emma, entre outros eventos. As poucas piadas que aparecem são simples, mas engraçadas.
Em relação à duração da peça, embora o primeiro e o segundo atos tenham o mesmo tempo, o primeiro é cansativo e pode aborrecer o espectador, uma vez que não há grandes emoções. O segundo ato é mais dinâmico e avança o ritmo da história. A ambientação do início do século XX é bem construída, permitindo que o público realmente se sinta transferido para aquele tempo histórico. Por fim, a história é bem amarrada, sem pontas soltas e o final da peça apresenta um bom desfecho, algo de tirar o fôlego.
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