A peça “Os últimos 5 anos” tece habilmente os fios das relações amorosas em uma proposta cronológica não-linear. A obra dirigida por João Fonseca a partir do roteiro de Jason Robert Brown, ganha contornos verde-amarelos ao citar regiões de São Paulo, permitindo ao público uma maior conexão com a jornada intimista dos altos e baixos do relacionamento de Cathy Hyatt e Jamie Wellestein.
A ação dramática trabalha a partir de uma brincadeira com o tempo narrativo, pois acompanhamos a relação de 5 anos de Cathy e Jamie a partir de pontos distintos no tempo. Com Jamie, o público é levado do começo ao fim do romance, enquanto o percurso com Cathy segue o caminho oposto. A organização dessa estrutura fragmentada pode, por vezes, criar uma lacuna entre a empatia pelo casal e a compreensão de seus traços, o que exige que o público se atente às minúcias do texto para identificar em qual momento da passagem narrativa a história de cada um deles está.
Uma grande vantagem dessa estrutura temporal é que ela oferece um panorama do relacionamento do casal e, ao mesmo tempo, como eles não compartilham o mesmo espaço textual ou cênico em grande parte das vezes, favorece uma atenção maior à perspectiva de cada um na relação, além de permitir um olhar atencioso na atuação dos atores.
O público sabe que ambos terminarão e sabe como eles começaram o relacionamento, mas essa estética trabalha diversas emoções, como por exemplo a ansiedade para ver o momento em que ambas as histórias se cruzarão. Quando isso acontece, a plateia é presenteada com uma belíssima e agradável cena romântica.
A temporalidade dita a espacialidade, algo que a cenografia assinala bem. O uso de escadas móveis demarca as transições temporais de algumas cenas, ao mesmo tempo que elas possuem compartimentos que serviam como camarim ou cama. A opção por esse tipo de estética deixava os acontecimentos do palco mais dinâmicos, tendo em vista que a peça utiliza apenas dois atores para acontecer. O design de luz de Paulo César Medeiros captou bem as nuances do roteiro, o tom dos figurinos e os acontecimentos cênicos, o que adornou de maneira agradável todo o conjunto já exposto.
Havia uma estrutura no alto do palco que comportava a banda, formada pelos talentosos músicos Fernando Presta, Leandro Tenório e Leonardo Córdoba. Eles entoavam as canções forjando uma harmonia entre as atuações e a música, com os contrastes cômicos e trágicos de cada momento, oferecendo à plateia um patamar sensorialmente rico. A direção musical de Thiago Gimenes conduziu as melodias de modo a complementar a gradação contrastiva dos personagens, mostrando-se surpreendentemente agradável aos ouvidos.
Como são apenas dois personagens no palco, Cathy e Jamie, que são interpretados por Eline Porto e Beto Sargentelli, a hierarquia dramática é dividida pelo tempo de uso similar desse espaço. Porém, a estrutura relacional do casal, com um recorte específico do que o começo e o fim de relacionamento significaram para ambos, privilegia Jamie, que é um autor de sucesso em contraste com Cathy que é uma atriz que busca reconhecimento no meio artístico. A diferença de pontos de vida de cada um, aliada aos acontecimentos que sucedem, organiza os conflitos pessoais e de casal que o público acompanha.
A performance de Eline Porto como Cathy é desempenhada com bastante habilidade, pois a personagem é marcada por uma acentuada discrepância emocional de Jamie, o que exigia da atriz uma entrega emocional profunda e rápida, dado o ritmo da peça. Seria esperado uma atuação que destacasse desde a euforia à melancolia, com pitadas de humor, o que Eline conseguiu executar de maneira plausível.
Por sua vez, a atuação de Beto Sargentelli também é digna de elogios. Beto, que por si só já possui uma presença magnética no palco, consegue fazer com que um personagem simples adquira uma representação arrebatadora, com seu inquestionável carisma.
Ainda que o roteiro aloque Jamie para um protagonismo maior e insira um conflito leve, Cathy carrega toda a força emocional, pois é a única que precisa transitar no mundo real pelo seu reconhecimento. Sem entrar em pormenores, é nítido como o casal não se encaixa, mas o durante permite refletir acerca de relacionamentos no geral.
A temática dos diferentes pontos de vista sobre um relacionamento, disposta de maneira não-linear, mergulha nas profundezas das emoções e dinâmicas interpessoais. Jamie era incapaz de ver Cathy para além de sua companheira, tratando de modo leviano os sonhos e frustrações da personagem, ao passo que Cathy se dedica mais ao relacionamento, desistindo de Jamie quando não suporta mais a cegueira do personagem. Em última análise, “Os últimos 5 anos” emerge como um estudo sensível sobre as complexidades do amor e do tempo, oferecendo uma experiência teatral que ecoa com ressonância não à pergunta “Por que o relacionamento deu errado?”, mas “Por que se permitiu que as coisas acontecessem como foram?”, configurando-se como uma ode aos relacionamentos modernos.
Diante desse intrincado movimento entre amor e temporalidade, as atuações carismáticas de Eline Porto e Beto Sargentelli, fizeram com que essa pérola musical relembrasse os versos de Fernando Pessoa em Autopsicografia, “E assim nas calhas de roda / Gira, a entreter a razão, / Esse comboio de corda / Que se chama coração”.
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