Em um futuro não tão distante, um aplicativo chamado sonhejunto.com permite que dois usuários com o mesmo sonho se encontrem em uma realidade virtual avançada para a realização deste sonho. O aplicativo é tão avançado que, após os usuários de diferentes lugares se conectarem a ele, é possível sentirem o cheiro, a textura e até mesmo o gosto do ambiente criado por esse programa. A partir dessa premissa, a peça Sonhejunto.com, que conta com roteiro, direção e atuação de Luccas Papp, desenvolve sua trama.
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A peça conta com dois personagens: Emma, vivida pela atriz Thaís Falcão, e Christian, interpretado pelo ator Luccas Papp. Embora ambos já tenham experiência na atuação – Luccas, por exemplo, atuou no filme “Lula, o filho do Brasil” e na novela “As aventuras de Poliana”, enquanto Thais Falcão é mais conhecida como influenciadora digital, tendo estreado no teatro profissional em 2022 –, pode-se dizer que as atuações beiraram, inicialmente, certa superficialidade. Isso prejudicou os primeiros momentos da peça, já que a plasticidade do texto decorado é prejudicial à atuação, que deve soar como a linguagem cotidiana. Como assistimos à peça no final de semana de estreia, talvez o nervosismo do primeiro dia tenha sido a causa disso.
Contudo, uma vez que os personagens não se resumem apenas aos seus textos, cabe mencionar o excelente trabalho de figurino de Vitória Micheloni, cuja escolha de roupas e cores combinou bem com a caracterização dos personagens. O vestido listrado verticalmente de Emma conjuga bem a personalidade da personagem, que vive uma “prisão simbólica” em casa e se sente “presa” à sua cadeira de rodas. Os tons de branco e azul juntamente com o colar de pérolas que usa, compõem na personagem a simplicidade e a inocência, de modo que o significado do vestido com essas cores parece indicar alguém passiva às situações que vivencia, dado esse explorado pelo roteiro. Por sua vez, o figurino de Christian é composto por uma camisa social entreaberta branca e uma calça social preta, visivelmente aconchegantes, caracterizando-o como alguém que gosta das coisas “preto-no-branco”, isto é, claras para ele e seu entorno, mas que sejam confortáveis para todos. A junção dos figurinos no palco nos conduz à leveza de um dia de verão na praia diante do mar, o que é justamente o sonho de ambos os personagens que se realiza pelo aplicativo de realidade virtual.
Acerca dessa ambientação, o cenário é um píer que harmoniza bem o jogo entre a realidade virtual e a realidade propriamente dita que a peça necessita, assim como serviu bem para a presença de palco que a cadeira de rodas utilizada por Emma possui. Apesar disso, o desenho de luz de Cesar Pivetti poderia ser ajustado para realçar melhor os personagens em alguns momentos em que a luz geral é desligada e tornar mais claras para a audiência as cenas que acontecem no palco. Se em alguns momentos sublimes a iluminação trabalha bem com as cores, como quando descobrimos que Emma é pintora, em outros a luz projetada para fora do palco estava muito forte, dificultando a visualização da cena. Porém, a união da iluminação de Pivetti com a trilha sonora de Pedro Lemos, por exemplo, foi muito bem realizada.
A premissa de um ambiente virtual criada para encontros de pessoas com o mesmo sonho é bem utilizada, com itens sendo comprados pelos personagens a partir de créditos virtuais, assim como o diálogo com a inteligência virtual pela voz em off de Fernanda Faustino. Ainda, a questão da representatividade de pessoas com deficiência, tema poucas vezes abordado com tamanha beleza estética em produções teatrais, não é um recurso supérfluo, mas dialogado como eixo constituinte do uso do espaço cênico e da personalidade de Emma. Nesse sentido, vemos um excelente trabalho do roteiro de Luccas Papp.
O roteiro, que segue o gênero comédia romântica em diálogo com a realidade virtual e a pauta de pessoas com deficiência em uma praia paradisíaca, fornece diálogos sensíveis e profundidade de personagens. Ademais, de maneira leve, nos conduz do lugar do amor jovial romântico até um amor maduro e responsável, cujas motivações, inseguranças e sonhos dos personagens são críveis. Os atores incorporaram bem os personagens, pois a química que se constrói entre eles é bem trabalhada, o que não gera a sensação de ser algo forçado apenas para que o roteiro ganhe vida.
Em relação ao tempo da peça, embora haja diálogos interessantes, momentos extremamente sensíveis, sublimes e engraçados, arrisco dizer que o roteiro tenha se ampliado em pontos que talvez não fossem tão necessários naquilo que já foi trabalhado na trama. Dessa forma, seria possível editá-lo para tornar a narrativa mais fluida e envolvente. Além disso, essas ampliações, ao colocar pistas da reviravolta que o final apresenta, diminui um pouco o elemento-surpresa.
Concluindo, a peça é muito agradável, abordando de maneira significativa a temática da deficiência, das realizações pessoais e do amor. Embora o roteiro se estenda em alguns momentos, a produção como um todo é bela e emocionante e culmina para um final reconfortante no espectador, que pode sair do teatro, em termos populares, “com o coração aquecido”.
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Parabéns pela excelente crítica, me motivou a assistir a peça.