No longa-metragem, ambientado em 1973, Gail Harris (Michelle Williams) recebe uma ligação sobre o sequestro do filho John Paul Getty III (Charlie Plummer) na Itália. A desesperada mãe precisa, então, convencer o inflexível bilionário J. Paul Getty (Christopher Plummer), avô do garoto, a pagar o resgate de três milhões de dólares. Para negociar com o ex-sogro, no entanto, Gail precisa primeiro lidar com seu homem de confiança, o ex-agente da CIA Fletcher Chase (Mark Wahlberg).
O roteiro de David Scarpa (O Dia em que a Terra Parou), inspirado no livro homônimo de John Pearson, transforma a tragédia real da família Getty em uma grande metonímia. Nela, o empresário interpretado por Christopher Plummer funciona como uma parte representante do todo, o sistema capitalista. Segundo a lógica cruel de ambos, coisas e pessoas equivalem-se. Nesse contexto, não só os vínculos comerciais mas também os interpessoais originam-se a partir dos interesses de ordem monetária. Um grande acumulador torna-se, portanto, um “rei”, e seu dinheiro tem a força de uma “arma”. Essas metáforas, sugeridas pelos diálogos, revelam a persistência na contemporaneidade de arcaicas relações de poder. A riqueza concentra-se nas mãos de poucos, e aos demais, como Gail Harris, resta a sujeição.
A protagonista, contudo, recusa conformar-se. Essa característica traduz-se claramente na performance de Michelle Williams. Com a habitual intensidade dramática, a atriz apresenta ao espectador uma mãe disposta a lutar até o último instante para reaver o filho. Christopher Plummer, por outro lado, constrói um contraponto egocêntrico e vaidoso, sem com isso recair em um vilão arquetípico. Dessa forma, empresta à personagem uma certa ponderação, diferentemente da abordagem mais ríspida indicada pelo trailer com Kevin Spacey. A substituição dos atores, por sinal, passa despercebida aos olhos dos desavisados, tamanho o seu êxito. Boa parte desse mérito se deve à ótima montagem de Claire Simpson, vencedora do Oscar por “Platoon” (1986).
Também merecem elogios os trabalhos do fotógrafo Dariusz Wolski e da figurinista Janty Yates, vencedora do Oscar por “Gladiador” (2000). Mais uma vez reunidos sob a direção de Ridley Scott, os profissionais recriam com sucesso o visual dos anos 1970. As imagens resultantes dessa parceria, ainda que digitais, preenchem a tela com uma beleza equiparável à das pinturas renascentistas compradas por Getty.
Com “Todo o Dinheiro do Mundo”, por fim, Scott escreve um bem-vindo novo capítulo em sua vasta cinematografia. O longa-metragem oferece ao espectador uma intensa experiência e um memorável plano final. Cumpre, ainda, aquilo que se espera de uma boa cinebiografia: transcende a superfície de seu tema e provoca discussões mais profundas. Infelizmente, no entanto, a polêmica ao redor do contexto de produção, no lugar de atrair maior público para a obra, vem minando as discussões acerca de seus méritos.
* O filme estreia dia 1 de fevereiro, quinta-feira.
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