Jia Zhangke novamente fala das transformações de seu país
O novo filme de Jia Zhangke, “Levados pelas Marés”, traça a trajetória da China desde os anos 2000, passando pela pandemia de Covid-19 até os dias atuais. As transformações do país ao longo desses mais de vinte anos se entrelaçam com a jornada da protagonista, Qiao Qiao (Zhao Tao), que busca o homem por quem é apaixonada, após ser abandonada repentinamente. Ao longo de seu amadurecimento pessoal, ela passa por uma série de empregos e funções, sempre com dignidade, apesar das adversidades. Ele, por sua vez, escolhe o caminho aparentemente mais fácil, integrando-se a uma espécie de gangue e se envolvendo em atividades criminosas, até o momento em que simplesmente vai embora.
Simbolicamente, o filme apresenta duas Chinas: a que, por meio do esforço coletivo de seu povo, busca se afirmar como uma grande potência, e a que ainda se encontra presa ao passado, atrelada a ideologias obsoletas e ações corruptas. Esta última é personificada pelo personagem que transita entre ruínas de vilas abandonadas e frequenta uma casa de shows decadente, sustentada pelo partido que há muito tempo domina o país. O mesmo partido que se autodenomina comunista, mas que, na prática, prioriza seus próprios interesses, em detrimento do bem-estar do povo.
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Zhangke constrói as características de seus personagens ao longo do tempo fílmico para passar sua menagem social e política. Enquanto Qiao mantém-se quase imune ao passar dos anos, permanecendo saudável e bela, seu parceiro evidencia os sinais do envelhecimento, chegando a precisar de uma bengala. A intenção do roteiro, porém, não é descartar o antigo em favor do novo ou incitar aversão ao envelhecimento, mas transmitir uma mensagem clara sobre a necessidade de a China aprender com seus erros do passado, a fim de evitar que as cicatrizes deixadas pelo tempo se aprofundem ainda mais.
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“Levados pelas Marés” é, portanto, um filme centrado em seus personagens, cujos destinos seguem caminhos divergentes, refletindo a complexidade da China contemporânea: ora belicosa, ora progressista. No entanto, parece que o lado sombrio do país tem prevalecido nessa dicotomia, o que afastará aqueles cidadãos que, como Qiao, buscam construir algo novo a partir das ruínas do passado. A protagonista, aliás, não profere uma única palavra durante todo o filme, como se estivesse silenciada pelas forças que a oprimem, sejam elas provindas de um amor frustrado ou de uma sociedade há muito adoecida.
Este filme foi exibido durante a 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Imagem em destaque: Divulgação
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