“Quando as pessoas são lembradas, elas não morrem”, disse a filósofa, escritora e professora Helena Theodoro
Perder um filho é algo que as mães temem acima de qualquer outra coisa. A inversão da ordem natural das coisas é algo que não se espera e pode marcar para sempre a vida de uma mulher. Baseado nas memórias da professora e escritora Helena Theodoro, “Mãe Baiana” é um espetáculo comovente e que ressignifica a morte, da ausência para a presença através das relações e afetos das mulheres negras. Essas relações são abraçadas pela fé, generosidade ancestral e um excelente trabalho de produção. Confira a seguir a crítica da peça:
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Em cena, uma avó (Dja Martins) vivencia o luto junto a sua neta (Luiza Loroza). Poderíamos imaginar muita tristeza no palco, uma vez que estamos falando da partida de uma criança, um filho, irmão e neto. Mas a dramaturgia de Thaís Pontes e Renata Andrade consegue trazer para a superfície, de maneira brilhante, uma rede de relações que renascem diante desse evento trágico. A relação entre avó e neta é permeada pelos conflitos que emergem do choque de gerações a respeito de temas como sexualidade, religião e a morte. Alguns embates entre as duas trazem a leveza do riso da plateia para o universo do luto, sem descartar reflexões importantes acerca da existência, que se materializa nas memórias quando suprimida do plano físico.
Outra relação bem explorada é com a cozinha, com a comida. O ato de cozinhar bala de coco, o doce preferido do neto que partiu, une avó e neta no resgate da doçura e da importância da colaboração mútua, esquecidas com o desgaste da relação entre elas.
“Mãe Baiana” é sobre relações e ancestralidade
Não bastasse a complexidade da perspectiva feminina do luto, o espetáculo ainda apresenta uma concepção da morte centrada na tradição nagô, onde as memórias afetivas fortalecem e trabalham para a continuidade da vida. Os elementos dessa tradição são finamente explorados pelo renomado diretor Luiz Antonio Pilar. Há dança, canto, ocupação dos objetos em cena, nos levando a resgatar nossas próprias memórias. Algumas duras e outras doces como uma bala de coco. Numa alternância entre a potência e a leveza, evidenciada pelo grande trabalho das atrizes em cena.
Dja e Luiza engrandecem ainda mais a riqueza da ancestralidade, e o papel da mulher negra na sociedade contemporânea. Os diálogos, muitas vezes carregados de dramaticidade, transbordam o domínio da oralidade para a fala do corpo. Cada olhar, cada toque demonstram cumplicidades, atravessamentos e afastamentos entre as duas personagens, que implicam a plateia a cada interação. Por fim, o cenário de Renata Mota e Igor Liberato completa o universo conceitual do espetáculo, dinamizando o caminho entre o quintal e a cozinha, ambientes fundamentais para o desenvolvimento dos afetos na cultura brasileira. Ao fundo, os turbantes lançam luz sobre o simbolismo do que é ser uma mulher negra. Ao final de “Mãe Baiana”, fica a reflexão sobre o poder das relações e das memórias para o aqui e agora. Axé!
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