BL que furou a bolha do mainstream em 2016 tira o melhor das convenções do gênero drama esportivo
No último artigo de nossa série, falamos sobre a influência e impacto de “Cavaleiros do Zodíaco” na indústria japonesa. Em comemoração ao mês do orgulho, o título da vez para falarmos sobre animes clássicos é esse, ainda muito fresco, tesouro direto de 2016. Não poderia ser diferente, unanimidade dentro e fora da bolha, “Yuri!!! on Ice“.
Primadonna, vida e queda
Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer. […] É clássico aquilo que tende a relegar as atualidades à posição de barulho de fundo, mas ao mesmo tempo não pode prescindir desse barulho de fundo.
“Por que ler os clássicos”, por Italo Calvino. Tradução ao português por Nilson Moulin.
Oito anos após seu lançamento, YOI mostra que o estado de “clássico instantâneo” não era apenas um delírio febril. Defender seu status como clássico não diz apenas ao seu sucesso comercial ou temática de contra-cultura, mas influência permanente na indústria. Revisitá-lo tem outros contornos hoje em dia.
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Com o recentíssimo anúncio pelo “Estúdio Mappa” do cancelamento do filme para a série, “Yuri!!! On Ice: Ice Adolescence” devido aos baixos lucros, isso entra em aparente contradição. Porém, não se deve esquecer que a produção do projeto se arrastou por anos sendo deixada em segundo plano, sempre com um projeto mais importante e de retorno mais que garantido — como “Shingeki no Kyojin” na fila do estúdio — perdendo o poder de expectativa pós-lançamento.
Também não desprezível na equação é a participação do estúdio nos shares da série. Passando à época por uma fase atribulada, pouca era a quantia relativa que o estúdio abocanhara no contrato frente a sua grande rede de produção — não era interessante, portanto, priolizá-lo na lista de projetos. Isso não impediu que a série alcançasse segundo lugar em vendas para originais em anime das últimas duas décadas, ultrapassando títulos como “Code Geass” (2006, 3º) e “Gurren Lagan” (2007, 9º), somente atrás de “Puella Magi Madoka Magica” (2011).
Nascemos para fazer história
As coisas não vão bem para “Yuuri Katsuki“: com 23 anos ele já é considerado velho para seguir na carreira de patinador artístico e, apesar de outrora ser uma grande promessa, o rapaz não conseguiu emplacar profissionalmente, o que o leva a voltar para a casa dos pais e decidir o que vai fazer da vida.
Afundando-se em uma espiral depressivo-ansiosa, Katsuki é confrontado pelo seu ganho de peso e pela necessidade de assumir um plano B para a vida o quanto antes. Sua sorte muda com a viralização de um vídeo seu performando o programa de seu ídolo, o russo e cinco vezes campeão mundial “Victor Nikiforov” (27).
Admirado com o que assistiu, Nikoforov larga tudo e vai até o Japão conhecê-lo pessoalmente, oferecendo-se como treinador na promessa de levá-lo até o primeiro lugar do ranking, ao que o japonês prontamente aceita. Essa mudança de ares não agrada nada o parceiro de treino de Victor, o prodígio Yuri Plisetsky (15), inconformado com a postura daquele por quem guardava grande admiração, e quem não vai descansar até derrubar seu novo rival e mostrar que é capaz de vencer, sozinho, o Grand Prix.
Em defesa…
Meteórica é a ascensão de Katsuki, igualável ao seu crescimento pessoal ao longo dos meses de treinamento que o anime acompanha. “Yuri!! on Ice” é também sobre patinação artística — e não é nenhuma novidade a escolha do plano de fundo de esportes para representar histórias de desenvolvimento pessoal (vide, por exemplo, “Captain Tsubasa” [1983], “Haikyuu!!” [2014], e “Ping Pong the Animation” [2014]), mas entre todos os títulos esse é um dos que melhor alcançam o potencial do gênero.
Raro caso de alinhamento milenar, em que todas as coisas parecem conspirar ao seu favor: desde o pico de popularidade dos animes de esporte — que entregou outros exemplos não tão interessantes assim, como “Free!” e “Anitore! EX“, que tentaram surfar no hype — tal como o estúdio certo, a ousadia da história certa, e o estudo do universo.
Tecnicamente o título mais elogiado de seu ano, a produção se voltou ao estudo de histórias da patinação e captura de coreografias para criar a verossimilhança necessária. O responsável pela execução foi Kenji Miyamoto, que executou os próprios programas e de onde os efeitos sonoros no ringue foram retirados.
Ousadia porque não era garantia nenhuma que essa superprodução traria retorno. Não sendo uma obra adaptada de um sucesso prévio em mangá ou novel, e ainda explicitamente gay desde o primeiro episódio, YoI foi além e retratou um casamento, rarissimamente abordado em obras de romance, e que é também tabu pela não legalidade das em território nacional no Japão das uniões homoafetivas, mas que contribuiu para trazer mais títulos LGBT ao mainstream nos próximos anos, até então algo muito difícil e nichado.
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O que dizer então sobre a sequência de abertura, que vai mudando e ficando mais colorida com conforme os episódios progridem? O tema é original para a série, composto e cantado em inglês por “Dean Fujioka“, a escolha adequada, porém não óbvia, para uma verdadeira carta de amor à animação, e que ajudou o estúdio a consolidar seu nome em um período complicado na gestão.
Em retrospecto, alguns elementos não envelheceram de forma tão boa. Apesar de indiscutivelmente avant-garde, “Yuri!!! on Ice” não tomou certos riscos e que deixaram pontos do plot relacionados à homossexualidade devidamente explícitos, ainda que óbvios. As razões apontam com pouca sombra de dúvidas para a recepção de seu público, contudo, isso não quer dizer que YoI deva explicações à luz dos olhos de espectadores de oito anos no futuro.
O mercado BL/fujoshi é um dos principais do Japão, e só recentemente títulos vêm quebrado a bolha do nicho, com “Yuri!!! on Ice” sendo o principal exemplo. A história não é linear, e não é sobretudo se tratando de direitos e minorias, não se deve tomá-los por certos. Seja como for, naquele romance BL de verão da próxima temporada, ou mesmo no próximo sucesso do MAPPA, haverá um pouco de YoI; e não há como apagar isso da história.
Imagem Destacada: Divulgação/Crunchyroll
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