Bayard Tonelli, um artista em desbunde
O grupo Dzi Croquettes, que teve seu fim em 1988, foi um grupo de artistas que misturava teatro, dança e música que mudou a cena teatral brasileira. O grupo formado apenas por homens surgiu no Rio de Janeiro na década de 70 e logo tomou conta do Brasil e da Europa, inspirando artistas como Elis Regina, Betty Faria, Sonia Braga e Claudia Raia.
Após 20 anos, Bayard Tonelli, remanescente do lendário grupo, está ativo aos 69 anos e, com sua poesia, discute assuntos como política, sexualidade e sustentabilidade. Na Eco 92, Bayard, foi destaque com a performance histórica sob a Árvore da Vida e, em 2012, no Drive-in Rio do programa Cultural de Sustentabilidade em parceria com o Instituto Cultural Dinamarca, no Armazém da Utopia, no Cais do Porto, o artista conduziu o público numa viagem sensorial, a bordo de um carro intitulado ‘Bucetta Cósmica’, acompanhado de um convidado especial por noite. Eu tive a honra de bater um papo com esse artista plural que, em 2015, posou nu para o fotógrafo Fabiano Cafure e declarou que “a terceira idade tem direito à nudez”.
Confira como foi esse bate-papo:
Como você ingressou no teatro? Quando soube que era esse o seu caminho?
Aos 14 anos percebi que queria fazer teatro ao ver o movimento teatral em Porto Alegre, com as peças montadas no Sul. Nesta época conheci Paulo Cesar Peréio, jovem ator gaúcho e talentosíssimo, com amigos que faziam Teatro, as peças que vinham do Rio e depois, ao conhecer Elke Maravilha, que desde nova já era uma Deusa, inteligente e culta… Profissionalmente estreei em São Paulo no teatro do Masp com o primeiro espetáculo de Cordel montado no sudeste, dirigido por Orlando Senna. Na época eu era modelo fotográfico também.
Como surgiu o convite para participar do DZI?
Ao vir para o Rio de Janeiro com Teatro de Cordel conheci Wagner Ribeiro. Fascinado por seu talento e verve, fundamos o Grupo Dzi Croquettes em agosto de 1972, juntamente com Reginaldo de Poli. Wagner chamou seus amigos Claudio Gaia, Roberto de Rodrigues, Paulo Barcelar e Benedito Lacerda para o grupo. Reginaldo trouxe seu irmão Rogério de Poli e eu convidei Ciro Barcelos, que na época tinha 17 anos. Os outros Dzi, já atores, acharam um absurdo um menor de idade, mas o Wagner aprovou… Lennie Dale ao saber do Grupo se ofereceu para coreografar. Estreamos um show no Pujol no final de novembro com Lennie, Miéle, Leny Andrade, grande elenco e Dzi Croquettes. No desenrolar da temporada ficou, Lennie, Miéle, Pedrinho Mattar e Dzi Croquettes! Durante a temporada chegou Claudio Tovar… Ao irmos para São Paulo entrou Carlinhos Machado e Eloy Simões. E, em São Paulo, Lennie passou a fazer parte do grupo como “pai” e Wagner como “mãe”.
O Dzi Croquettes foi um grupo que muito contribuiu para o teatro no Brasil, tanto esteticamente quanto politicamente. Foi um dos principais grupos artistas e mudou toda a forma de se fazer espetáculo para as gerações que vieram depois. Como foi viver esse movimento desde a sua criação?
Dzi, apesar da época e da repressão, conseguiu seguir em frente até que com o grande sucesso e a influência sobre a juventude, começaram as ameaças, atropelamentos suspeitos, proibição do espetáculo… E, até mesmo, agressões as pessoas a nossa volta… Vimos que o melhor caminho era pular fora. E fomos conquistar o ‘velho mundo’. Paris nos recebeu como estrelas e lá vivemos por anos fazendo Teatro. Tivemos um retorno de um ano e meio ao Brasil, onde montamos o segundo espetáculo, numa temporada gloriosa no Teatro Municipal de São Paulo! Voltamos a incomodar e a repressão tentou nos sufocar. Partimos outra vez para Paris onde acabamos montando o terceiro espetáculo sobre a TV francesa. Grupos se formaram dentro do espírito Dzi, influenciamos a TV francesa e levamos a nossa antropofagia e desbunde a moda francesa… Paris foi a cidade que melhor acolheu o espírito Dzi e abriu espaço para o nosso grande sucesso… Ficamos 5 anos. Voltamos ao Brasil e aqui montamos “TV Croquettes Canal Dzi”, de onde mais uma vez a TV Globo se inspirou para fazer a TV pirata(?).
Como era conviver com Leny e o resto do grupo?
Conviver com os 13 Dzi e seus acompanhantes e as pessoas que trabalhavam em volta era muito intenso. Às vezes eram 40 pessoas enlouquecidas buscando seu desbunde e sua nova personalidade livre e querendo ser mais Dzi do que nós mesmos. E todos os 13 tinham características únicas: Lennie Dale, a grande estrela americana. Que trouxe a batida do Jazz à bossa nova. Por isso que quando a Bossa Nova chegou aos USA ganhou o mundo… Influenciou a música, o ritmo, a luz. E deu sua luz para tantas estrelas brasileiras brilharem com mais intensidade… Uma das maiores e mais alucinadas estrelas que conheci. Hiper profissional, foi quem fez os Dzi internacionais. Inesquecível. Tinha o Wagner Ribeiro, criador do grupo e sua filosofia. Ao nos conhecermos nos encontramos em Carl Gustav Young… Ele era um Guru. Uma pessoa em busca da elevação dos homens. Meu irmão para toda eternidade! Todos brilhantes, únicos, artistas maiores… E no Dzi encontraram a magia para construírem o jardim paradisíaco que foram os nove anos seguidos de Dzi (de 1972 a 1981) e seus 3 espetáculos.
Na sua opinião, qual o legado que o Dzi Croquettes deixou para as artes e os movimentos sociais e políticos na classe artística?
Dzi exigia muito de nós: aprimoramento artístico através de aulas e novas técnicas, e controle financeiro! Pois muitos produtores vinham trabalhar conosco e acabavam querendo desbundar mais que nós mesmos… Foi muito intenso o período e os egos eram gigantescos. O grupo retornou em temporada em 1988. E acabamos no Rio de Janeiro. Não havia muitos registros sobre nós nas escolas de teatro, não nos citavam e com a Aids parecia que éramos malditos… Mas o tempo passa. Tatiana Issa e Raphael Alvarez fizeram o filme (documentário lançado em 2009), ganharam muitos prêmios… As pessoas começaram a reconhecer a nossa influência e recuperamos nosso espaço na cultura brasileira e mesmo nossa influência na Europa. Estar vivo e ver isso não tem preço! Hoje sempre tem um novo livro saindo e movimentos que nunca pensávamos reconhecendo nossa importância como desbravadores para seus caminhos.
Desde o surgimento, o Dzi caiu nas graças de artistas como Elis Regina, Liza Minelli, Bibi Ferreira, Josephine Baker, entre tantos. Como era para um jovem ator estar no meio desse turbilhão? Você tinha noção da importância do Dzi naquela época? Qual foi o momento mais emocionante pra você?
No início, quando começamos o Dzi com Wagner Ribeiro queríamos conquistar o Mundo e achávamos que através da filosofia de vida Dzi mudaríamos o Mundo! Isso para você perceber que sonhávamos alto… As mulheres maravilhosas que nos apoiaram, nos amaram e foram nossas madrinhas… Só podemos agradecer… Elke que desde o início esteve conosco. E tantas outras: Betty Faria, Sônia Braga, Miriam Pérsia… E a nossa madrinha internacional Liza Minelli, que abriu as portas do reconhecimento em Paris, e Josephine Baker, Jeane Moreau, Ariane Mnouchkine, Maria Schneider e Louise Fletcher e outras que marcaram nossas vidas. E não podemos esquecer os homens. Diretores como Jacques Demy, Claude Lelouch, Jodorowsky e os atores Pierre Clementi, Vittorio Gassman... E os europeus que nos achavam lindos, sedutores e atraentes. Até hoje recebo declarações de amor de fãs e personalidades que mantinham sua paixão a distância.
Atualmente, você dedica o seu tempo também a poesia. Como a poesia entrou na sua vida?
A poesia e a literatura sempre fizeram parte da minha vida, mas sempre tive vergonha do que escrevia e rasgava! A partir de 1988, comecei a guardar o que gostava. E como tinha um mundo interior abarrotado de histórias e informações, comecei a mostrar e, a poesia, tomou conta mim. Hoje participo de diversos movimentos e adoro estar em praça pública mostrando possibilidades criativas de transformação.
Você também trabalha, além do teatro, no cinema. Como é participar desse veículo hoje, qual a maior diferença no ato da criação?
Adoro cinema! Nada mais prazeroso que ver um filme perdido no passado ser lançado. O meu primeiro filme foi “Vozes do Medo” com Roberto Santos, filme proibido por muitos anos e que hoje é emblemático. Tenho feito documentários sobre os mais diversos temas. Tenho filmes a serem lançados. Entre eles, o “Saindo do Armário” de Dário Menezes, uma série sobre sexualidade brasileira dos anos 60 aos dias de hoje e também o meu primeiro filme falado em inglês para o mercado externo “Hooperkillers”, ficção científica de Thiago Moyses.
Você viveu ativamente num momento em que o Brasil passava por uma ditadura e uma censura severa. Você é um artista extremamente criativo, um homem libertário. Como é ver esse Brasil de hoje dentro dessa ótica?
Dzi continua atual, transformador e é filosofia de vida. E faz parte de minha formação. Busco dar continuidade ao pensamento e, de novas formas, levar aos jovens nossa vivência. Enquadrando dentro da consciência cósmica e de caminhos que levem a um terceiro milênio de luz, leveza, transparência e humanidade. Dentro de um planeta abarrotado de poluidores, inconscientes e destruidores, precisamos nos conscientizar que somos desastres ambientais e que, no ponto em que chegamos, podemos ser irreparáveis. Acordem para nosso peso, nosso lixo, nosso mal diário ao mundo e aos outros!
Teatro é um ato político. Em momentos de crise, como o atual momento político do país, qual o papel da arte e do artista, na sua opinião?
Participei do X Fórum Mundial da Paz em inúmeras atividades, palestras em escolas de cinema pelo Brasil… E onde me chamarem para levar poesia e a palavra de novos tempos, eu vou. No teatro, na rua, pois a minha missão é sinalizar caminhos. Nestes tempos hipócritas em que vivemos, onde não passamos de escravos do capital e de máfias partidárias roubando a nação em proveito de seus grupetos de crápulas, continuo vanguarda, continuo ativo, pronto a dar meu sangue e mesmo minha vida para melhorar nosso futuro!
Existe algum artista hoje, da música ou do teatro, que você acompanha com atenção? Aquele tipo de artista que você admira e não perde uma apresentação?
Criolo que admiro e curto há alguns anos. Filipe Catto, um encanto de menino. Adoro o trabalho, a transgressão e as vozes maravilhosas dos Não Recomendados. A cantora Céu, que me apresentei em uma festa junto com Conjunto Nuclear. Jesuton, outra cantora fabulosa. E tantos talentos novos surgindo e nos encantando e crescendo dia a dia. Confesso que não dá para acompanhar com assiduidade os artistas que gosto, mas me enche de orgulho quando um artista novo cresce e conquista novos mercados.
Por Thiago Pach
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