Estreia neste Halloween o nosso representante de filme de terror, o brasileiro “Continente” escrito e dirigido por Davi Pretto que passa no interior do Sul do país trazendo de volta da França a filha de um fazendeiro enfermo que encontra uma realidade bem diferente de quando deixou o país 15 anos atrás.
O diretor nos traz um local a princípio bucólico, mas que ao chegar da protagonista, traz uma sensação de tensões não declaradas e um estado de atenção que aos poucos vai se justificando e escalando.
O clima de mistério e mal estar que vai crescendo e só depois de algum tempo se tem a real dimensão de tudo que está em jogo lembra um pouco o filme “Bacurau” e essa é a melhor qualidade deste filme, um terror rural, longe da possibilidade de fuga e dispersão que poderia ocorrer em uma cidade grande, pois trata-se de campo aberto onde quase sempre pode-se ver a ameaça chegando.
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E é nesse contexto que Amanda a filha pródiga e seu namorado francês que vem a reboque ao Brasil, não tardam a perceber que não são bem vindos ali além do comportamento típico de uma comunidade rural que não vê estranhos com bons olhos, percebem estranhas marcas de cortes nos pulsos dos trabalhadores da casa grande que seu pai mantém.
É a dica para entrada definitiva no mistério e onde os roteiristas e o diretor começam a soltar (ou assim deveria) as amarras da trama, com imagens que remetem a ilusões e aparições incômodas e fantasmagóricas além das intrusões cada vez mais incisivas dos trabalhadores e moradores do local.
Eis que a segunda metade do filme que até o momento mantinha um registro sóbrio sobre opressor e oprimidos, se transforma a nossa frente em um filme de terror vampiresco em que os trabalhadores não estão somente preocupados em receber pelo trabalho e sim se veem em uma necessidade incontrolável de se alimentar de sangue do patrão enfermo, transformando essa alegoria além da exploração trabalhista expandindo para a dependência total e literal da força laboral acorrentada da dominação dos homens e mulheres do campo pelo latifundiário rural.
Davi Pretto vai construindo seu terror a princípio com um bom trabalho de ambientação, mas o filme se desenvolve em muitas cenas e filmagens com planos e e contra planos muito fechados que são incapazes de expandir os espaços e incomoda o fata de não podermos ver o todo mesmo em se tratando de um ambiente rural.
Entende-se que se trata de uma situação que aprisiona os personagens, mas a fotografia poderia se valer da confiança de mostrar um espaço maior, confirmando que por mais que haja uma imensidão de paisagens para onde correr ou se esconder, os habitantes estão presos, acorrentados ao mesmo destino.
Destaque para personagem da médica a quem todos atende interpretada com sobriedade e sofrimento contido por Ana Flávia Cavalcanti, a única que em meio ao terror tenta se livrar da dominação e sede pelo sangue do patrão, mas pode acabar por sucumbir ao que mais teme.
Os outros personagens se tornam arquétipos dos filmes de terror e claro, vemos decisões irracionais de uma pessoa andar sem motivo nenhum à noite, no breu e ainda decidir entrar em um cômodo onde há um personagem gritando como um alucinado, até a insistência em permanecer em um local depois de tantas indicações de perigo.
Posto isso o filme revela ter alguma originalidade ao apresentar vampiros que andam em plena luz de dia, como no livro “Drácula”, o original de Bram Stoker e o sistema interessante que chamam de “acerto” e em metáforas óbvias como relacionar os cortes das árvores pelos empregados às feridas que possuem nos pulsos por onde o sangue é sugado e ao mesmo tempo reposto pela única herdeira do sangue de um patrão que é o vampiro de seus trabalhadores.
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Há também a interpretação estranha e incômoda de Olívia Torres a protagonista, quando se encontra com seu destino e passa a depender de sangue o que ajuda e corresponde à estranheza da narrativa, mas acaba faltando uma pegada não frenética mas menos cadenciada à narrativa para torná-la memorável.
Porém, trata-se de mais uma tentativa válida e heróica do cinema nacional (em co produção com França e Argentina) no gênero terror e estreando justamente no Halloween.
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