Já se tornou comum dizer que comediantes se dão muito bem em papéis dramáticos, chegando até a concorrer a prêmios por suas atuações. Basta citar Jim Carrey em “O Show de Truman” e “O mundo de Andy” e Steve Carrel em “Foxcatcher”. Bom, chegou a vez de Melissa McCarthy aspirar ao Oscar no novo “Poderia Me Perdoar?”, onde faz a escritora de biografias fracassada e cheia de dividas Lee Israel, que passa a falsificar cartas de personalidades do cinema e da literatura falecidas a fim de ganhar dinheiro. O esquema dá tão certo que ela larga a vida de escritora para se dedicar a criar cartas mais detalhadas e vender por valores cada vez maiores. A história se passa na década de 90, quando a avaliação de tais obras não era tão eficiente, facilitando a vida dos criminosos.
Baseado em fatos, o filme mostra a personalidade corrosiva de Israel e sua incapacidade de fazer amigos ou manter os poucos que lhe restam. Ela vive em um apartamento nova-yorkino entulhado de lixo e livros com sua gata, o único ser que lhe suporta. McCarthy consegue segurar a sua veia de comédia e cria uma personagem legitimamente repugnante, o que não é uma tarefa fácil, devido aos tantos papéis engraçados que representou. Fácil também não é para o espectador – em especial aos que são fãs da atriz – em vê-la tão diferente em tela. Sempre haverá aquele que esperará que ela solte uma piada para amenizar um pouco todo o clima melancólica do longa. Claro que o figurino e a maquiagem ajudam a esconder um pouco a persona de McCarthy. O primeiro cobrindo-a de trapos sem cor, que a fazem parecer uma espécie de mendiga hipster e o segundo deixando-a extremamente pálida. Como complementando há os óculos grandes e peruca de cabelos quase brancos, curtos e mal cuidados.
Logicamente que os ambientes acompanhariam o contexto por trás da construção da personagem com os locais mais escuros de Nova York e os bares mais afastados do glamour que a cidade representa. Uma pessoa sem valores só poderia transitar nesse submundo. A diretora Marielle Heller também leva ao apartamento com cômodos apertados da escritora todas as sobras presentes do lado de fora e praticamente a encurrala com closes sufocantes quando ela está deitada na sua cama cheia de moscas atraídas por fezes de gato e restos de comida. Cabe ao amigo de bebida Jack Hock (Richard E. Grant) ajuda-la na limpeza do local, porém, eticamente, o sujeito não é o mais indicado em limpar a sujeira dos outros, já que possui as suas próprias para empurrar para debaixo do tapete. Digamos que ele é uma versão dela um pouco mais charmosa, e o ator inglês ajuda nessa composição com sua notável presença de cena e suas linhas de diálogos certeiras. O fato é que nenhum dos dois se importa com quem estão prejudicando, o que vale é o dinheiro que entra, para depois sair em suas bebedeiras. Com isso, a amizade se fortalece.
Aqui há um conto moral que a academia adora premiar e isso é um ponto a favor e também um ponto contra o filme. Se for agraciado com alguma estatueta, logo entrará no hall dos filmes bons, porém esquemáticos, que são lançados todos os anos por Hollywood. Esse esquematismo confunde o espectador, fazendo com que todas as produções se misturem em suas cabeças e se tornem iguais em suas essências, para logo serem esquecidos. Se não ganhar nenhuma, será apenas um filme comum que talvez seja lembrado pela primeira atuação “séria” de uma estrela da comédia. Sinceramente, não é possível saber o que é pior.
Essa crítica faz parte da cobertura da 42ª Mostra de Cinema de São Paulo.
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