Aquiles, o semideus grego e herói da Guerra de Tróia, empresta seu nome ao protagonista e consequentemente ao filme iraniano dirigido por Farhad Delaram. No entanto, o Aquiles da película é a antítese do arquétipo heroico. Ele é um indivíduo melancólico que renuncia ao seu ofício artístico para assumir a função de assistente na ala de ortopedia de um hospital. Embora não fique perfeitamente claro, ele parece acuado pelas tensões sociais e políticas que sua arte poderia desencadear, e mostra-se excessivamente temeroso em confrontar a ditadura iraniana. Consequentemente, a angústia de sua inação o leva a abandonar tudo, inclusive sua esposa e seu pai, optando por viver sozinho em seu carro.
Se ele não encarna o arquétipo heroico, é necessário recorrer à etimologia ao salientar que o nome “Aquiles” pode ter significados como “dor” ou “aflição” no grego antigo. Estas duas palavras definem de maneira precisa o personagem interpretado por Mirsaeed Molavian. Entretanto, uma mudança significativa ocorre quando ele conhece Hedieh (Behdokht Valian), uma paciente da ala psiquiátrica que é uma prisioneira política, e decide auxiliá-la em sua fuga do hospital, que ela percebe como uma prisão. Nesse momento, o protagonista tenta libertar-se de sua própria prisão interior, buscando finalmente fazer algo relevante em sua vida, visto que até então ele limitava-se a culpar os outros por seus problemas e a observar passivamente as adversidades que o cercavam.
Nesses momentos de angústia, é crucial destacar a competência da narrativa na direção, na fotografia e no design de produção, como quando o hospital é afetado por uma infiltração que deteriora o teto que abriga Aquiles, simbolizando o regime político do Irã, bem como a essência do protagonista. Enquanto o primeiro danifica a nação, o segundo destrói o indivíduo. Há ainda as escolhas de enquadramento de Delaram, que frequentemente inserem seu personagem em ambientes sombrios, onde sua silhueta é o único elemento visível. Mesmo em cenários ensolarados, as cores são opacas e desprovidas de vivacidade, com o cinza prevalecendo. É apenas quando a figura feminina de Hedieh entra em cena que o vermelho presente no lenço em sua cabeça traz um pouco de vida às cenas. É evidente, contudo, que a escolha pelo vermelho pode representar tanto a vitalidade que emana da mulher quanto a repressão sangrenta e implacável imposta às mulheres no país muçulmano.
Assim, o Irã mais uma vez se torna tema central em sua própria cinematografia. O país está cheio de barreiras aparentemente intransponíveis que os personagens tentam transpor, ferindo seus corpos devido à inflexibilidade e corrupção da política e da religião presentes no local. Em um determinado momento, Aquiles se atira várias vezes contra uma dessas barreiras, representada por uma parede de um quarto de hotel, quando quase desfalece e vê surgirem dela múltiplas ramificações, como raízes de uma árvore. No entanto, essas manifestações não trazem vida e alimento, mas servem apenas como lembrança de que as estruturas do país podem tornar-se visíveis, mas derrubá-las se revela uma tarefa árdua.
Leia também: 47ª Mostra Disponibiliza De Graça “We Dare To Dream”, Filme De Diretora Síria Indicada Ao Oscar
Portanto, toda a reflexão causada no espectador por suas qualidades cinematográficas, “Aquiles” pode ser considerado mais um bom exemplar do competente cinema iraniano.
* Este Filme foi visto durante a 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.