Glauber Rocha foi realmente um visionário do cinema. Para constatar isso, basta assistir a sua obra mais conhecida, “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. O filme de 1964 demonstra ser à frente de seu tempo, principalmente em relação à montagem e fotografia. A mensagem transmitida por Glauber, portanto, fala bem ao público contemporâneo porque, com exceção de algumas escolhas narrativas próprias da época, como as atuações teatrais, não envelheceu em seu formato. Aliás, não envelheceu nem mesmo em seu tema, que traz uma reflexão sobre o poder, seja ele dos ricos ou da religião.
Glauber, na verdade, faz poesia com sua câmera. Os seus atores, por vezes, recitam suas falas para ela, e usam a atuação corporal vigorosamente. Corisco (Othon Bastos) performa como se estivesse em um palco, enquanto discorre sobre liberdade e a fome no sertão. A fotografia, por sua vez, é impactante em sua simbologia, como quando o matador Antônio das Mortes (Maurício do Valle) é enquadrado no meio de um padre e de um ricaço local. Neste momento, o espectador percebe que o poder da igreja e dos coronéis da terra é tão grande que são eles os juízes que decidem se alguém vive ou morre.
Há, realmente, muitas mortes em “Deus e o Diabo na Terra do Sol”. Chacinas são conduzidas por Antônio das Mortes. Corisco e o profeta Sebastião também fazem as suas. Todas elas demonstram um ambiente sem leis, onde o mais forte prevalece. Trata-se, portanto, de um western tupiniquim repleto de sangue. Só que, ao invés de índios, as vítimas são os miseráveis sertanejos, que apenas seguem aqueles que estão no poder. O destino do povo sofrido é entregar sua vida aos que vestem batinas ou chapéus de cowboys. A eles cabe apenas seguir o senhor da vez e sonhar que um dia o sertão vire mar, assim como diz trechos das músicas de Sérgio Ricardo, que são tocadas durante toda a projeção.
Pelo menos, o miserável sem água e comida tem o cinema ao seu lado com Glauber Rocha e suas magníficas histórias. Ele fez com que Deus e o Diabo se encontrassem no sertão através do seu cinema, e eles se mantêm lá até hoje, prontos para participar de mais um filme. Pena que as câmeras de Glauber foram desligadas há um bom tempo.
Este filme foi visto durante a 46ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
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