Quem não se irrita não vai entender. E quem nunca chorou sentindo-se parte do todo, então, é que jamais poderá compreender a primeira montagem do “Coletivo dos Vagabundos” (nome bastante propício para designar o conceito de artista nos dias atuais). “Eles eram muitos cavalos”, adaptação teatral da obra literária de Luiz Ruffato, trabalha a questão daqueles que resolvem deixar sua terra de origem em busca da grande metrópole infestada de sonhos, promessas e individualismo.
Permito-me utilizar esse termo, ainda que sem aspas, pois é através da contradição humana exprimida com maestria pelos atores em cena, que o espetáculo ganha força com a brilhante direção de Alexandre Lino que consegue extrair do elenco um trabalho consistente através da gritaria pueril e da “poesia do incômodo”, capaz de dialogar com o público de forma simples e ao mesmo tempo profunda a partir de uma encenação carregada de metáforas.
O livro de Luiz Ruffato é considerado um dos mais importantes da literatura contemporânea brasileira. A grande protagonista é a cidade paulistana que abriga personagens de diferentes classes sociais. Todas as narrativas da montagem nos remetem a pequenos (ou grandes) retratos, em fragmentos tão comuns na vida de hoje, e aparentemente, os personagens são normais, mas beiram o desespero porque estão imersos no caos da vida cotidiana que mata o sujeito, por vezes frio no seu distanciamento em relação aos outros, mas que necessita da solidariedade para si. É um documentário de nossas próprias vidas jogadas no mundo contemporâneo.
A peça rebate na cara da sociedade essa contemporaneidade na linha tênue entre o jogo de luz e as narrativas intercaladas que amarram a história e prendem a atenção do público. Denuncia também nossa organicidade ridícula enquanto seres trabalhadores, escravos do tempo que o homem criou em contraponto ao da natureza. E como estamos infelizes, porém, adaptados em nossas jaulas individuais exprimidas no cenário que remonta aos arranha-céus da grande megalópole. As quebras das atuações, ora doces, ora incômodas pelos ruídos provocados pelos próprios atores, denunciam os “inconformistas conformados” (definição de uma das personagens), integrantes de nossa sociedade tão plural, entretanto, mesquinha. O cenário é bem bolado e uma extensão dos personagens transformando-se em muitas possibilidades, contudo, sem a única opção realmente valiosa, a liberdade, já que o homem dos últimos tempos vive em sua própria redoma e tornou-se seu próprio trabalho carregando-o consigo para todos os campos da sua vida.
Obviamente, o drama literário convertido em teatro que se passa na cidade de São Paulo confronta a plateia discursando por intermédio das mais variadas formas artísticas, a música, o grafite, a poesia. Mas pode ser transposto para qualquer grande metrópole onde a cor cinza reina de forma absoluta, mesmo no Rio de Janeiro, presenteado com os dizeres do Profeta Gentileza.
A peça está em cartaz no Teatro Municipal Serrador até o dia 30 de abril. No próximo sábado, dia 22, haverá um debate logo após a apresentação do espetáculo com o autor do livro que deu origem a montagem. Imperdível!
Por Susana Savedra
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Bárbaro! Parece ser uma grande peça, e esse debato com o autor _é muito imperdível! viva o teatro!