O partido dos Panteras Negras acabou em 1982, mas seus ideais de liberdade frente a um estado opressor continuam atuais, ainda mais depois do destrutivo governo de Donald Trump e de outros iguais ao dele espalhados pelo mundo. Hoje, tudo o que os Panteras Negras defendiam pode servir de base para as lutas das mulheres, da comunidade LGBT+, e de outras minorias que tendem a ser massacradas pelo poder. Os Panteras foram taxados de terroristas e alguns deles pagaram com suas vidas depois que pegaram em armas para se defender ou se vingar. Talvez, a violência pode ter ofuscado suas ideologias, no entanto, não se pode julgar aqueles que não viram outra forma de fazer a revolução. Em outras palavras: era lutar ou ter seus corpos jogados em covas rasas.
A guerra feita através da retórica versus a guerra tradicional, travada com tiros, explosões e sangue, permeia “Judas e o Messias Negro”, filme dirigido por Shaka King e que tem a produção de Ryan Coogler. A história, baseada em fatos, é sobre o popular presidente do partido dos Panteras Negras, Fred Hampton (Daniel Kaluuya), que faz suas ideias revolucionárias pautadas no socialismo serem ouvidas através de discursos inflamados que falam de união do povo e de atos revolucionários. Algumas de suas palavras, um tanto quanto radicais para a sociedade hiper conservadora dos EUA dos anos 60, chamam a atenção do FBI, então dirigido por J. Edgar Hoover (Martin Sheen), que infiltra o ladrão de carros William O’ Neal (Lakeith Stanfield) para vigiar e sabotar as ações de Hampton e seu grupo.
O’ Neal entra para o partido e vira um dos homens de confiança de Hampton, ao mesmo tempo em que entrega seus companheiros ao agente Roy Mitchell (Jesse Plemons), responsável pela operação para derrubar os “terroristas”. A vida de conforto que Mitchell leva em um subúrbio de brancos em Illinois é um dos elementos de sedução para convencer o pobre O’ Neal a trair seu próprio povo. O capitalismo neoliberal é mais uma vez o vencedor, já que o grupo não tem importância frente ao sucesso individual em uma sociedade em que o dinheiro paga tudo. Portanto, Martin Luther King e Malcolm X são abandonados. Seus escritos até que são lidos e suas vozes são ouvidas, mas a ação do capital os espreme na história e os transforma em seres mitológicos. Multidões visitam seus altares no olimpo da história, entretanto, poucos seguem seus ensinamentos.
“Judas e o Messias Negro” pode servir como uma carta aos atuais e futuros revolucionários. Tenta ensiná-los a pensar nas necessidades do coletivo. Dá boas lições, como a de não apelar à violência se você pode usar os argumentos para vencer uma batalha. A guerra com armas e bombas só será necessária quando não há mais caminhos diplomáticos a traçar. O roteiro de Will Berson e do próprio Shaka King reforça a necessidade de luta, principalmente durante os discursos e ações conciliadoras de Hampton. O texto é tudo para o filme e está acima dos outros elementos cinematográficos. Mesmo a direção é “sacrificada” pelo texto, já que a câmera quase não “escreve nas entrelinhas”. Para não ser injusto com as habilidades do diretor King, há uma sequência interessante logo no início em que contra-plongées – que trazem um protagonista com uma aura superior de líder – são intercaladas com as de seu algoz em posição de inferioridade perante o agente do FBI – sentado e ferido, enquanto o outro homem está de pé, o interrogando. Ou seja, o primeiro é o virtuoso, enquanto o segundo é o covarde traidor, submisso aos seus mestres brancos. Essa dicotomia se repete ao longo do filme, que também conta com a recriação de um documentário com o depoimento do Judas, anos após os acontecidos, conferindo um bem vindo senso de realidade a uma história que poderia ter saído da cabeça de algum roteirista hollywoodiano.
“Judas e o Messias Negro” ainda possui a atuação, por vezes, visceral de Kaluuya e a boa capacidade de Stanfield em criar um personagem que, no início do terceiro ato, não consegue se decidir por qual caminho seguir. São dois astros que dão força ao cartaz do filme e que, com suas possíveis indicações ao Oscar, possam ganhar a tão merecida fama entre os não aficionados pela sétima arte. Enquanto isso, pelo menos fazem parte de uma das produções mais importantes do ano.
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