Durante o inverno de 2019, o diretor Felipe Nepomuceno se reuniu com um grupo de alunos do curso de teatro da UNIRIO para que cada um se expressasse da forma que quisesse e falasse sobre assuntos de seu interesse. Desse encontro, nasceu o documentário “Lugar de Fala”, um bem-intencionado e simpático trabalho, que infelizmente fica aquém de seu potencial.
Filmado totalmente com uma câmera de celular, o longa possui propostas estética e estrutural bastante simples: assim como num confessionário, cada entrevistado fica de frente para a lente, contando a sua experiência pessoal, interpretando um monólogo, recitando um poema etc. Além disso, eventualmente ao longo do filme, são apresentados planos do campus da universidade completamente vazio. Logo, “Lugar de Fala” funciona quase como uma coletânea de contos, intercalados com pontuais interlúdios visuais.
A princípio, é um ponto de partida interessante, pois cada um desses elementos abre margem a um questionamento ou exploração válida e promissora. Os close-ups frontais permitem estudar a pele, as marcas de expressão, os trejeitos, os olhares de cada indivíduo. O fato de todos os entrevistados serem estudantes de teatro permite questionar até que ponto os relatos narrados são verdadeiros ou ficcionais (ou uma mistura de ambos), de forma a chamar atenção para a forma como as personagens manipulam não só a sua própria imagem como também seu discurso. O contraponto entre as entrevistas e os planos da universidade apresentam duas formas diferentes de presença humana: uma material e outra apenas referencial, em que pichações, trabalhos artísticos e gambiarras representam vestígios de vida humana, por mais que ela não esteja corporificada no quadro.
De certa forma, todas essas questões aparecem, mesmo que de passagem, pelo filme. Todavia, há uma certa indecisão dos realizadores sobre do quê exatamente eles querem tratar. A julgar pela época das filmagens e pela rapidez com a qual o filme foi finalizado, pode-se entender “Lugar de Fala” mais como um ato expurgatório, do que necessariamente uma obra amarrada e com questionamentos propriamente definidos. Algo como uma necessidade de registrar o mais rápido possível rostos e discursos de um recorte da juventude brasileira, em especial daqueles pertencentes a grupos minoritários ameaçados pela governança da extrema direita; espalhar essas vivências por aí, como forma de torná-las visíveis e, quem sabe, mudar a cabeça de alguém e “limpar a alma” dos realizadores em relação ao atual cenário sociopolítico nacional.
Essa indecisão, curiosamente, acarreta em resultados mistos. Pelo lado positivo, o filme tem seus melhores momentos quando esse estado de dúvida transparece nas próprias falas dos entrevistados. Um exemplo é quando um aluno negro fala o seguinte: “lugar de fala tem complicadores porque é uma mistura de estudo com vivência pessoal. O negro tem lugar de fala maior sobre o racismo, mas e se ele mesmo reproduz comportamentos racistas?” Questionamento semelhante se repete na fala de outros entrevistados, preocupados em militar por uma causa, ao mesmo tempo em que se veem repetindo inconscientemente comportamentos por eles combatidos. Essas instâncias de dúvida (muitas vezes exacerbadas por linguagem corporal ou expressões como “não sei”) trazem uma vulnerabilidade que aproxima os entrevistados do público, independente do grupo a que pertencem.
Pelo lado negativo, a indecisão dos realizadores torna o longa um tanto enfadonho, apesar de ter apenas 71 minutos de duração. Após um determinado momento, a estrutura do filme se torna previsível e cansativa e as falas deixam de trazer tantos insights interessantes, dando a impressão de que o filme se esforça muito para garantir a duração de um longa-metragem. É um daqueles casos em que poderia ter sido um bom média-metragem ou, até mesmo, especial de TV, restrito a 40, 50 minutos.
“Lugar de Fala” apresenta relatos necessários de um grupo bastante heterogêneo de pessoas. É uma pena que, no todo, é uma obra que fica no meio do caminho.
Imagens e vídeo: Divulgação/Nepomuceno Filmes
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