Se Alfred Hitchcock estivesse vivo e assistisse “Mãe!”, ele com certeza aplaudiria de pé. Darren Aronofsky conseguiu captar toda a aura do mestre do suspense em um filme tenso, assustador, que carrega linhas de interpretação e temas diversos. Muitos irão odiar, outros irão amar, mas o papel da obra de arte estará completo no debate que se torna primordial ao final da projeção. Com certeza não é um filme de fácil assimilação e não é indicado para todos (na cabine de imprensa houve críticos deixando a sala de exibição), mas quem quiser algo diferente e que dispersa emoção, não se arrependerá de assistir.
Na trama, a mãe do titulo (Jennifer Lawrence) e um poeta famoso (Javier Bardem) tem o relacionamento testado quando um homem (Ed Harris) e em seguida uma mulher (Michelle Pfeiffer) surgem em sua residência acabando com a tranquilidade. Inicialmente não sabemos muito sobre essas pessoas, apenas que são um casal passando por dificuldades. Após a visita, a casa praticamente receberá uma invasão de pessoas de todas as partes, mesmo estando isolada no meio do campo.
Logo de início, o roteiro de Aronofsky entrega que a casa pertence ao poeta, que se muda com a esposa para que ela o ajude a reformá-la, enquanto ele tenta sair de um bloqueio criativo. A reconstrução da casa, junto com a da carreira do poeta (que não publica nada há muito tempo) seguem em paralelo, com a mãe no centro da duas. Ela é a responsável por todas as obras da reforma e ainda tenta inspirar o marido. Lawrence se entrega à narrativa, e Aronofsky persegue sua musa incessantemente. Nós seguimos seu ponto de vista durante toda a projeção. A câmera gira em torno dela, como se estive em sua órbita. Os planos a sufocam; ela aparece presa no quadro. Presa em uma situação agonizante. A fotografia de Matthew Libatique é sombria. A penumbra é importante para expor o interior sentimental do casal, e os planos sequência com o barulho dos passos no piso de madeira dão quase vida àquela velha casa, fazendo-a gemer. Tudo se torna orgânico.
Como se trata de um filme de câmara, os espaços são reduzidos. Há frequentes closes nos rostos dos personagens, servindo para reforçar as expressões dos atores e tornar ainda mais evidente a extrema categoria de Jennifer Lawrence como atriz. A sua voz quase não pode ser ouvida em alguns momentos, devido a sua calma e serenidade. Mas, com a tensão crescente por causa das visitas inesperadas e por acontecimentos estranhos que passam a acontecer na casa, o seu tom muda gradualmente, indo da confusão à extrema histeria. Lawrence consegue dosar tudo com maestria e com uma hipnotizante presença de cena. Javier Bardem não é menos que genial em sua construção. O poeta é assustador com seus ataques de fúria (um desses com um grito quase demoníaco) e encantador quando declara seu amor à esposa. Os dois se completam em cena, trazendo substância para a história.
Os ícones de adoração são temas chave em “Mãe!”. Toda a narrativa começa e se encerra neles. O menino jesus sendo carregado pela multidão é encenado de forma brutal, o culto às celebridades, à fama, à riqueza, ou mesmo a um simples objeto são materiais de estudo. A casa vira um microcosmo que representa toda a nossa história de guerras e mortes em torno de algo que, em algum momento, alguém achou que tivesse algum significado. Cultos e bizarrices tomam conta de cada cômodo e a mãe se desespera por não conseguir expulsar todos aqueles seres de dentro da casa, de dentro dela. A casa é saqueada, praticamente destruída e leva junto a sanidade de sua moradora. O poeta, não se importa com a invasão, já que há ali vários de seus fãs. Ele se alimenta da devoção deles. Aronofsky conduz a trama destrutivamente até o final que impacta pela violência e por uma grande revelação. Como dito, não é um filme fácil, mas quem entrar na atmosfera criada pelo diretor, sairá baqueado com o resultado.
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