Acabou no último dia 21 de Dezembro a temporada no Centro Cultural Da Justiça Federal – CCJF, o espetáculo “Se Eu Fosse Iracema” que traz a cena temáticas que, infelizmente, vem sendo esquecidas ou deixadas de lado pela sociedade brasileira de modo geral. A história que aprendemos na escola e que lemos em grande parte dos livros escolares, nos tendenciam a esse “esquecimento” e transformam os verdadeiros donos dessa terra quase em seres mitológicos que só existem no imaginário coletivo. As instituições de ensino e, consequentemente, as pessoas que se formam nelas, negligenciam a perspectiva ameríndia da história e basicamente só enxergam versão do dominador e isso cria uma ferida social enorme.
Extremamente inteligente a dramaturgia de Fernando Marques nos propõe olhar a coisa por outros ângulos e sem seguir caminhos lineares, mantém o público atento a cada detalhe da encenação. A luz é assinada pelo também diretor e cenógrafo do espetáculo Fernando Nicolau, e contribui diretamente para que o espetáculo e todas as cenas ganhem potências tais que inquietam, que surpreendem, que fazem o público participar da história que esta sendo contada.
Direção precisa, evidenciada pela iluminação e movimentação cênica, acentua a força da temática retratada, hora causando risos, hora nos fazendo pensar, hora colocando os espectadores em check no sentido de nossas morais volúveis e super valorizações, muitas vezes, deturpadas. É ácido, é irônico, é forte, é militante, mas não no sentido de trazer respostas prontas e sim no sentido de fazer refletir. Faz com que o publico retorne pra casa ainda digerindo o que foi visto e ouvido, sem saber ao certo definir o que foi experienciado e sentido ali. Não é sobre gostar ou não, é mais sobre ser necessário, urgente e incomodo por nos obrigar, de forma totalmente artística, a remexer questões que talvez não estejamos prontos para enxergar.
A atuação de Adassa Martins é algo a ser bastante destacado também, pois a intérprete nos apresenta variados personagens. Cada um muito bem delineado trazendo um corpo, uma voz, um rítmo e entonação de fala diferente de outro. A preparação vocal de Ilesi nos faz sentir, na grande maioria das vezes, estarmos diante de cada ser humano apresentado ali.
“Escolhemos trabalhar o ciclo da vida: a origem do mundo, a infância, a adolescência, a fase adulta na figura da mulher e o ancião, na figura do pajé chegando ao fim do mundo”, explica o diretor. Esse ciclo, no entanto, não é colocado de forma linear e traz referências a etnias diversas. Fernando Marques ressalta que essa variedade “foi fundamental, porque não queríamos falar sobre uma ou outra etnia, mas buscamos um olhar abrangente sobre os povos originários, que são muitos e diversos.”
“Se eu fosse Iracema” nasce de uma inquietação gerada após a leitura de uma carta de outubro de 2012, em que os índios Guarani e Kaiowá pediam que fosse decretada sua morte coletiva em vez de lhes tomar sua terra. E essa inquietação transborda do palco para a plateia de forma gradativa, mas muito assertiva.
O figurino e caracterização assinado por Luiza Fardin dão mobilidade à atriz ao mesmo tempo que trazem uma sonoridade que compõem as cenas. A trilha sonora original proposta por João Shimid também compõe e enfatiza tensões importantes da dramaturgia.
Este é o primeiro espetáculo da 1COMUM Coletivo e certamente não é à toa que tem tido boa repercussão junto ao público e à critica bem como as indicações e premiações já recebidas como o de melhor figurino pelos Prêmios Shell, APTR e Cesgranrio no ano de 2017, além de indicações para a intérprete Adassa Martins na categoria atriz no Prêmio Shell, APCA e APTR, e para Fernando Marques na categoria autor no Prêmio APTR.
Como já dito anteriormente, trata-se de um espetáculo necessário, com uma pesquisa consistente onde as temáticas são trabalhadas de forma artística, mas sem ilusionismo. É daqueles espetáculos que deveriam ganhar muitos outros palcos para que sua mensagem cheguem ao máximo de pessoas possível.
Finalizamos com esta frase que consta no programa da peça e que ainda esta reverberando aqui e que talvez lhe instigue a estar na próxima temporada e conhecer um pouco do trabalho deste coletivo.
“Face ao outro – ou àquele que insistimos em não reconhecer como nós – somos capazes de qualquer outra coisa que não: destruir?”
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