O desespero pela fama e o frágil ego de artistas foram os ingredientes para a comédia The Money Shot, texto original do polêmico Neil LaBute que foi dirigido pela primorosa condução de Eric Lenate no palco do Teatro Vivo do final de outubro até o começo de dezembro.
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A peça começa em um final de tarde em que Steve vai à mansão de Bev e Karen acompanhado de sua jovem esposa Missy, para que, junto com Karen, conversem com suas parceiras sobre a empreitada que realizarão juntos: uma cena de sexo em um filme. Após essa grande revelação, o que lançaria os atores já esquecidos pela indústria da fama de volta aos holofotes, desenrola-se as questões mal resolvidas para cada um dos personagens, desde as fragilidades de cada casal até o modo de lidar com o apagamento midiático, culminando em um momento final imprevisível, mas não menos cômico que todo o restante do texto.
O próprio diretor, Eric Lenate, ficou responsável pela cenografia fixa, levando o público a uma luxuosa e ostentativa mansão onde as cenas são guiadas nos três ambientes centrais: a sala de estar, a sala de jantar, o retorno à sala de estar e a finalização em que Karen e Steve estão na sala de jantar enquanto Bev e Karen estão no quarto.
Esses cômodos são também dramáticos, pois elaboram o tom da conversa que os personagens têm ao longo dos 90 minutos da peça. A sala de estar é o lugar da conversa mais aberta, em que é possível ter um primeiro vislumbre das personagens. A sala de jantar é o espaço das conversas francas, sobre sexo, regadas a ironias e comida. O quarto, ambiente extracênico, é o lugar onde o sexo propriamente acontece, mas apenas audível ao público.
Se a premissa por si só é boa e provocativa, junte a isso atrizes e atores estelares e o resultado não poderia ser outro: a montagem adentra a lista dos raros casos em que o elenco supera o roteiro. As atuações, além de excelentes, demonstram a habilidade dos intérpretes de compreenderem os ridículos de seus personagens e explorarem isso com sacadas rápidas, o que garante risadas do começo ao fim da peça.
Steve é um típico ex-galã masculino do cinema, abandonado pela indústria hollywoodiana que faz participações em filmes de baixa bilheteria e que almeja, sobretudo, ser reintroduzido no hall da fama. Mesmo beirando aos quarenta ou cinquenta anos, se relaciona com uma moça mais nova, Missy, a que reduz apenas à sua aparência, que faz de tudo para manter, controlando as roupas e até a alimentação da jovem. Além disso, representa a masculinidade primitiva e decadente, sendo reduzido a um machista burro, que destila comentários homofóbicos e conservadores à Bev, esposa de Karen. Fernando Billi, que o interpreta, consegue utilizar toda sua linguagem corporal, tom de voz e expressões faciais na caracterização do personagem, de modo que quando a cena se concentra nele, o público já começar a rir.
Karen, também desesperada pela fama, ainda consegue mantê-la pelos seus eventos beneficentes, embora não se importe muito com as causas. Tendo um casamento frustrado com Bev, como o público saberá nos instantes de abertura emocional, é bissexual e pretende fazer par romântico com Steve. A cena sexual que desempenhará com ele não chega a ser um desejo propriamente dela, mas o recurso pelo qual se vê voltando à fama. Fabiana Gugli, que já demonstrara muito talento no monólogo G.A.L.A., aqui realiza o mesmo feito.
Bev, por sua vez, é a personagem mais centrada, que embora inicialmente não goste do combinado de uma possível abertura para o seu relacionamento devido à cena do filme, acaba cedendo. O tempo inteiro demonstra sua inteligência, com um ar um pouco arrogante, e é bem impaciente (com razão) com Steve. Vivida por Lavínia Pannunzio, a atriz tem que encarnar o estereótipo da “sapatão desfeminilizada”, algo que faz de maneira incrível.
Por fim, a estrela da peça é, sem dúvidas, Jocasta Germano, que interpreta Missy, esposa de Steve. Aspirante a atriz, Missy é a mais jovem dos três, sendo mais aberta aos acordos sexuais que envolvem o filme do marido e de Karen. É ela que explica à Bev, e consequentemente ao público, o que é o “Money shot”, que é a cena da ejaculação. Primeiro grande trabalho de Jocasta no teatro, a atriz saiu-se muito bem em todos os níveis de interpretação e não deixou-se para trás pelos premiados artistas com os quais contracenou nesse espetáculo. Demonstra um excelente domínio do palco e captação da essência de sua personagem.
Os figurinos de João Pimenta foram costurados com os fios do texto: glamurosos, provocativos, sexys, contrapõe visualmente os personagens Steve e Bev pelo predomínio das cores branco e preto respectivamente, é justo e brilhante para realçar o corpo jovem de Missy e extremamente maleável e fluído, como visto em Karen.
O mais interessante do espetáculo é a hierarquia dramática que dita o discurso que ele representa. No começo da história, Karen e Steve querem fazer a cena de sexo, que representa para eles não o prazer em si, mas a catapulta para sua recolocação na fama. Quando apresentam para suas esposas a proposta dessa cena, em que querem fazer um acordo do que pode ou não acontecer, tanto Bev quanto Missy são obrigadas, coercivamente, a aceitarem esse acordo. Entretanto, à medida em que as fragilidades dos relacionamentos e personalidades são apresentadas, como a tentativa de gravidez do casal sáfico, a diferença de idade entre o casal hétero, as personalidades contrastantes entre todos, o fundo do poço que estão, aos poucos vão desembocando no momento de maior tensão do espetáculo: a luta de Bev e de Steve.
Ao final da luta, com a vitória óbvia de Bev, há uma inversão de poder entre os personagens: Bev e Missy vão transar, e a última, antes de sair, declara para Steve que odeia ser tratada como um objeto e controlada. Bev, antes sujeita ao desejo de Karen pela cena sexual, agora é quem fará sexo, aqui com uma intenção de prazer. Quando as vitoriosas saem de cena para o quarto, pouco tempo depois Karen e Steve ouvem os gemidos, ao que ele comenta com ela sobre também transarem e Karen responde que não tem interesse nele, apenas queria gravar a cena do filme para ser introduzida de novo no sucesso.
A trama aborda questões de fama, imagem pública, intimidade e as escolhas que as pessoas fazem em busca do sucesso na indústria do entretenimento. Como dito, “The Money Shot” refere-se à cena da ejaculação em um filme pornográfico, mas na peça também alude ao valor monetário associado à exploração da privacidade e da intimidade das celebridades.
Portanto, o preço da fama, neste contexto, está ligado à negociação das próprias experiências pessoais e privadas em troca de sucesso e reconhecimento na indústria do entretenimento. A peça oferece uma visão satírica e provocativa dessas dinâmicas, questionando até que ponto as pessoas estão dispostas a ir para alcançar o estrelato e o que estão dispostas a sacrificar nesse processo, tanto pessoal como conjugalmente.
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