A montagem de “Um lugar chamado amor”, adaptada do texto “Almost, Maine” de John Cariani, apresentada no Teatro Commune, revela a simplicidade e a complexidade do universo das relações amorosas. Dirigida por Mara Faustino, a peça possui uma estrutura narrativa simples, mas conseguiu alcançar o sublime.
A ação dramática é composta por oito atores que se revezam em duplas no palco, incorporando em média dois personagens por ator. A peça possui uma organização capitular, como um livro de crônicas, em que dois personagens são trazidos a cada uma das oito cenas curtas que compõem os 85 minutos do espetáculo. Essa organização é muito interessante, por permitir que o público possa dar atenção à narrativa e às atuações individuais de cada artista.
Diante dessa estrutura, a história se passa em uma fria noite de sexta-feira, onde os moradores de uma pequena cidade no norte global lidam com o amor em histórias curtas, que abordam a melancolia, a saudade, os altos e baixos de uma relação, a frustração, entre diversas outras faces emocionais que o sentimento possui.
A estrutura de crônicas independentes permite que cada cena possa ser destacada sem prejudicar a narrativa. A temporalidade do todo, diferente dessas cenas, não ocorre com começo, meio e fim, mas é conectada por pequenas referências, pois tal personagem se envolve com um, trabalha com outro, conhece um terceiro etc., e também por um fio condutor que é o modo de cada qual lidar com o amor. Esse sentimento é muito palpável, similar a uma bolha de sabão, pois o público o vê se formando, tomando o espaço e se revelando de diversas formas ao passar pelo coração de pessoas inseguras, de um casal de amigos apaixonados, um outro casal que está passando por crises conjugais, entre outros, e em todos a bolha pode estourar revelando uma surpresa que apresenta o desfecho de cada cena.
Não apenas como fio, mas como estrutura cenográfica, o título descreve bem o lugar dramático de onde a peça é mostrada, pois a ideia de “lugar”, isto é, local físico delimitado de onde a história se conta, é composto por poucos objetos, proposta interessante que adota o minimalismo como eixo visual. Dessa forma, alguns caixotes e cadeiras são o suficiente para ambientar um local inteiro.
O maior destaque do aspecto cenográfico é a iluminação, assinada por Gabriel Greghi e Wagner Pinto. A iluminação é habilidosa, precisa e exemplar. A recriação da aurora boreal, a ambientação dos diversos cenários, a precisão dos enfoques e do quadro geral, bem como a escolha das cores, percorrem bem o texto e ilumina, de modo impecável, cada ser vivente daquela pequena cidade.
A união da cenografia e da iluminação se encontram na supracitada estrutura da peça. Na transição de cada cena, a luz se apaga totalmente e volta a se acender gradativamente em meia-luz, onde se vê apenas vultos corporais mexendo nos poucos elementos do cenário, conferindo uma estética de sonho, entre as transições.
Os personagens da história são vividos pelos atores André Magalhães, Fernanda Gonçalves, Gabriel Accioly, Heleni Fantini, Isaac Meddeiros, Jessica Chiaradia, Leonardo Diniz e Suel Silva. Cada qual interpretou de modo muito verossímil cada um de seus dois personagens. Gabriel, por exemplo, em uma das cenas interpreta um ex-namorado possessivo e tóxico, em outra é um cavalheiro gentil e ponderado; tanto em um caso como em outro, o ator deu conta de incorporar os matizes de cada papel. O mesmo pode ser dito dos demais atores, o que é digno de um aplauso especial.
Como são acontecimentos independentes que não culminam para um objetivo narrativo determinado, a peça não possui uma hierarquia dramática entre os personagens, relacionados entre si apenas por relações de trabalho, de amizade etc., de modo que não afeta em nada a economia dramática.
Os diálogos da peça possuem um predomínio mais lírico do que dramático, com intensidade expressiva das emoções e estados da alma de cada personagem. Isso favorece a condição de figuratividade, pois embora cada personagem tenha poucos minutos em cena, é possível ao espectador formar um laço afetivo com ele, considerando que as pessoas apresentadas são reconhecíveis no mundo real.
No coração dessa montagem reside a verdadeira essência do amor, capturada em suas múltiplas manifestações. Ao término da peça, somos deixados com a reflexão sobre a fragilidade e a resiliência dos laços humanos, cada cena servindo como um mosaico da corrente das experiências amorosas.
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