Quando o presidente americano Donald Trump revelou que pretendia construir um muro para separar os EUA do México, fez-se um grande barulho dentro do próprio país. A classe artística mostrou sua revolta e atores, diretores, produtores, estúdios e grandes personalidades logo se posicionaram contra essa barreira. Mas, será que o cinema americano e sua classe artística têm a mesma ideia?
Provavelmente não. A verdade é que enquanto muitos atores se opõe ao que o presidente fala, como, por exemplo, quando ele disse que mexicanos são ladrões e estupradores e que por isso seria mais seguro mantê-los do outro lado da fronteira, o que o cinema vem mostrando aproxima mais da fala de Trump que de seus profissionais.
Não é incomum que em filmes americanos bandidos sejam interpretados por atores de origem latina (ou asiática, ou africana). Ladrões, estupradores, viciados em drogas, traficantes, prostitutas… Uma lista interminável de personagens que não importam quão mal sejam, eles são latinos (ou asiáticos, ou africanos). Se o Van Damme precisa acabar com um ditador de algum país, ele será alguém de algum país sub-desenvolvido latino ou africano (ou de um país desenvolvido asiático, porém com regime ditatorial).
É bem raro que estrangeiros tenham um personagem de fato importante na trama, mais difícil ainda que sejam heróis, e se são pessoas boas, é bem provável que tenham um papel pequeno. Estrangeiros podem interpretar os conselheiros, melhores amigos, alívios cômicos, pares românticos, mas o protagonista? Bem incomum.
O conhecido ator e diretor argentino Ricardo Darín falou, há alguns anos, sobre um convite que ele havia recebido para atuar em uma super produção em Hollywood. Ao ser questionado sobre se gostaria de ter uma carreira lá, Darín respondeu que recusou convites, inclusive em grandes produções, e ao se explicar o ator disse que estava farto de que as produções norte-americanas reduzissem personagens latinos a traficantes.
A atriz Michelle Rodriguez, famosa pela franquia Velozes e Furiosos, mostrou-se incomodada com sua personagem dentro dos filmes e ameaçou não voltar para futuras produções. A atriz, que coleciona personagens em longas de ação, volta e meia faz o mesmo tipo: a latina durona, com pouca história, e que usualmente só está no filme como interesse amoroso de uma das partes. Ela pediu aos responsáveis por Velozes e Furiosos que tivessem “algum amor” com as mulheres nos próximos filmes.
Um outro evento conhecidíssimo do cinema é o chamado Whitewashing, ou a lavagem branca em tradução literal. Acontece quando um personagem de outra nacionalidade passa por um “embranquecimento” e vira norte-americano (ou alguém mais “branquinho” e aceitável). Não é incomum que um herói importante latino, asiático ou africano, vire norte-americano. Foi assim com O Último Samurai, que conta uma história sobre o Japão, mas quem protagoniza é o Tom Cruise, A Grande Muralha, filme sobre a construção da muralha da China com Matt Damon no papel do herói, ainda poderiamos citar 47 Ronin, longa com Keanu Reeves que baseia-se em uma famosa história japonesa (mas, Reeves tem ascendência chinesa e olhos mais puxadinhos, ainda que só com muito esforço poderia ser considerado asiático).
Mas, o exemplo mais recente é sem dúvidas A Vigilante do Amanhã: Ghost in the Shell, filme baseado no mangá com o mesmo nome do artista japonês Masamune Shirow. O mangá tem seguidores fiéis que comemoraram quando a produção foi confirmada, mas chiaram logo quando Scarlett Johansson foi confirmada como protagonista e o motivo é óbvio: The Major, a personagem central, é um ser meio humano meio robô, com raízes japonesas e a atriz de japonesa não tem nada. Inclusive, um dos produtores deu a entender que se fosse protagonizado por uma atriz oriental, o filme provavelmente não seria muito comercial. Pois bem, ainda que estrelado por Johansson, uma atriz de renome, o filme amargou prejuízo em sua bilheteria, além da revolta pelo preconceito que ficou claro em sua escolha de elenco.
Ainda que a industria do Cinema e seus profissionais estejam focados em diminuir a distância entre as nações, pelo visto não estão preparados para algo na prática e, enquanto os discursos são progressistas e visam a união, estrangeiros ainda são retratados como vilões, se aproximando bastante da imagem que o presidente dos EUA prega em seus discursos, seguindo o famoso dito popular: “Faça o que eu digo, não faça o que eu faço”.
Resta-nos, enquanto estrangeiros, esperar que eles coloquem o olhar de suas frases bonitas em seus filmes. Ou, então mudar nossa própria imagem e mostrar-nos mais densos, apaixonados e profundos do que simplesmente os personagens que morrem ou são presos no fim. E, graças aos deuses da 7ª Arte, o Cinema é algo universal e democrático: livre a todos que queiram fazer.
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