Escritora, palestrante, sobrevivente. Bruna Lauer reservou um tempinho para nos contar sobre sua trajetória como escritora (e leitora) além das páginas de seu livro de estreia: “Uma oitava acima“. Conheça mais sobre seu projeto de contos, vida e bastidores nessa entrevista exclusiva para a Woo, aqui transcrita.
Colhendo os frutos
Nick de Angelo: Primeiramente, muito obrigado novamente pela entrevista, Bruna, é um grande prazer te conhecer. Gostaria de começar perguntando a respeito da recepção de seu livro: como tem sido receber tantas mensagens e relatos positivos de reconhecimento na sua escrita e se o oposto também tem ocorrido — imagino que escrever sobre sua relação com o próprio corpo, identidade, maternidade, etc. seja um exercício de paciência em tempos de internet.
Bruna Lauer: Bacana, obrigada a você, Nickolas, por esse momento e por sua leitura, mais uma vez, do livro! Bom, com relação à receptividade do livro foi até uma coisa interessante que me aconteceu, porque eu o escrevi num primeiro momento como um processo terapêutico, uma forma de conseguir decretar um fim dessa fase muito turbulenta da minha vida e, quando terminei eu li e falei: “ah, acho que tá bom, acho que outras pessoas podem se interessar.” [risos] — Eu não escrevi necessariamente para publicá-lo, eu pensava nessa possibilidade, mas, como eu pensava em publicar um livro como uma coisa distante, num primeiro momento não tinha muita certeza.
E eu fiz a publicação e foi muito especial, porque, ao longo do câncer — especificamente — comecei a compartilhar com as pessoas um pouco do que eu estava sentindo e algumas coisas que eu vinha escrevendo. Foi uma celebração dessa jornada que eu vivi e com essas pessoas, meus amigos e familiares que estavam ali torcendo para que tivesse um final feliz.
Foi um momento muito gostoso, mas me surpreendeu a quantidade de pessoas que leu muito rapidamente, porque eu brinco que escrever um livro são várias etapas: primeiro você fala “escrever um livro é difícil”, depois, você concluiu e diz “maravilha, agora eu tenho que vender, né, agora as pessoas tem que ler” (risos). Então, são muitas etapas, e fiquei muito feliz de ter esse retorno positivo.
Mas, como decidi fazer uma coisa não só para mim, fazer uma coisa aberta e vender para pessoas que não conheciam minha escrita e história, veio o lugar da insegurança; como é que essas pessoas que não têm empatia comigo vão receber o livro? E também foi muito legal, acho que talvez eu tenha tido vários bons intermediadores: eu participei de uma entrevista com o Chico Abelha, por exemplo.
Críticas negativas eu recebi bem pontualmente. Meu pai que queria royalties [risos] e queria discutir alguns pontos do livro. Minha mãe já tinha falecido e uma amiga de minha mãe disse que leu como se fosse minha mãe, então eu acho que isso é um lugar esperado — e por isso acredito que muitas pessoas tenham medo de publicar autobiografia: a insegurança não é ser lida pelo desconhecido, a insegurança é ser lido pelas pessoas que já te conhecem e vão ter uma ideia de você.
E… uma vez eu me deparei com uma avaliação negativa na Amazon, mas era só uma nota — só a estrelinha — e eu fiquei um pouco chateada, na verdade porque eu adoraria entender o motivo. Eu acho que é muito legal porque eu olho e penso “isso para mim foi uma jornada bem… espontânea”, e acredito que quanto mais a gente faz, mais melhoramos, e sempre vamos ter um pouco para melhorar. Então, receber os pontos negativos é importante para mim como pessoa que está escrevendo. Mas sinto que, por ser a minha história, as coisas se misturam, e as vezes as pessoas não se sentem a vontade — e isso também aceito. Eu incentivo as pessoas a escreverem de volta no fim do livro, mas isso não acontece com tanta recorrência. É bem pontual e ocorre quando a pessoa sente uma identificação, acho, e se sente a vontade de compartilhar uma história pessoal comigo.
Com relação à minha família, tento colocar no fim do livro que esta é a história como foi montada na minha memória, a forma como eu experienciei. Tentei tomar esse cuidado, na escrita, de dizer que aquilo é uma perspectiva minha, como aqueles fatos aconteceram a partir do meu repertório. Mas então entendo que cada pessoa está enxergando de um ponto de vista diferente, e os familiares tem uma questão especial porque estão implicados emocionalmente com a história. Por isso que, quando você vai fazer terapia, você não pode ser amigo daquela pessoa, porque ela vai ter um filtro, com suas opiniões próprias daquilo que visualizou.
É muito curioso porque sempre vivi esse dilema entre minha mãe e meu pai, a briga entre os dois — e até achei que fosse agradar meu pai, mas ele também se sentiu ali…
Eu olho para o livro também como uma forma de inspirar independentemente dos detalhes, porque acho que o que vem do micro, para as minhas relações com essas pessoas. Posso até procurar algo em específico para me encontrar e talvez justificar, porém, acredito que só tive a intenção de publicar o livro porque entendo que é uma história que pode fazer sentido para as pessoas, independentemente dos detalhes.
Sempre dá um frio na barriga mesmo; o próprio trecho em que escrevi a respeito da doença de minha mãe, o qual não tive a coragem de mostrar para ela em vida, porque acho que ela teria uma leitura muito diferente — da intenção, e acho que este que é o ponto principal. Por mais que você possa ter escutado/memorizado/guardado de alguma forma, a minha intenção com esse processo todo foi de decretar uma trégua e dizer para irmos para esse lugar do entendimento e compreensão, que é o que acho que busco sempre em minha vida.
Mas… tem esses pormenores! Alguns parentes leram e amaram, outros parentes não leram. Então também tem isso. A leitura do livro é uma coisa que acontece e leva um tempo e você precisa se dedicar. Então acho que vou ter mais material para responder essa pergunta daqui pra frente novamente. De certa forma, foi positivo; muita pouca coisa que está do livro é surpresa, porque essas pessoas participaram desses processos comigo.
E, quanto a receber mensagens dessas pessoas no e-mail, tem sido muito especial para mim. Porque brinco que tem duas possibilidades de leitores do meu livro: tem uma parte que leem e não trazem para si — leem de fora, como se fosse uma história, até ficcional; poderia ser — e muitas vezes essas pessoas vão dizer: “nossa, que história bonita, parabéns por você ter conseguido viver tudo isso!”. E não foi essa minha intenção, apesar d’eu saber que essa é uma leitura possível, já que estou publicando minha história, quando decidi publicar não foi para que as pessoas me aplaudissem, não tive esse desejo. Mas, o que queria mostrar é um pouco do meu processo, porque acho que ele poderia ajudar outras pessoas em seus próprios processos.
Então, este lugar de me entender como uma pessoa que não vai estar cem por cento certa, nem cem por cento errada, de saber que eu posso melhorar sem cair num lugar muito clichê de achar que “ah, agora sou uma pessoa boa e o resto são pessoas ruins” (risos). O que eu tento trazer é que esse processo que eu vivi poderia ser vivido por outras pessoas, porque ele não tem nada de heroico; o que fiz, dentro de minha trajetória, foi me entregar, não resistir — vinham as ondas e eu ia fluindo com as ondas, não tentei bater de frente.
Mas, para mim, é muito bonito quando escuto a história de outras pessoas. Isso aconteceu algumas vezes, as pessoas me procuram no Instagram também, e compartilham. Por mais que a minha história seja uma e nunca vai ser igual a de outras pessoas, mesmo entre pessoas que passaram os mesmos problemas, sinto que as emoções podem ser as mesmas — quando você está perdido e não sabe o que quer da vida, quando você busca um amor do seu pai e de sua mãe, querendo ser a melhor profissional do mundo… sinto que há alguns sentimentos que, apesar da pessoa, da casca, sentimos igual. É, então, muito recompensador quando recebo esse tipo de retorno de que aquilo fez com que a pessoa refletisse sobre a vida dela e aquilo acaba influenciando na vida da pessoa também. São nesses momentos que sinto uma energia que volta para mim; porque eu, como pessoa que escrevi, me doei, coloquei toda minha energia na escrita e divulgação do livro. Mas, quando o leitor me fala que essa leitura de alguma forma acalmou o coração, inspirou, não se sentiu sozinho — porque às vezes só temos essa sensação: “bom, achei que isso só acontecia comigo, e acontece com outra pessoa; então me sinto melhor” — então foi uma experiência rica, muito especial quando as pessoas me procuram.
Redescobertas
N.A.: Aproveitando a última pergunta, a gente acompanha pelo livro um pouco do seu processo de descobrimento como escritora e da importância que a escrita ganhou na sua vida. Como você enxerga essa relação hoje, com um ano de publicação?
B.L.: Esse processo está sendo — porque acho que estamos sempre em construção — porque, como disse, quando publiquei o livro, eu não tinha nenhum contato com o meio literário no sentido mais pragmático de mercado. Quantos livros se vende? O que as pessoas compram? O que as pessoas têm interesse? Eu tinha algumas suspeitas como leitora, e quando me encontrei na escrita e entendi que isso que me fazia bem também era uma forma de conectar com outras pessoas e dar sentido para minha e meu trabalho, passei a pesquisar: fui fazer oficinas, estudar, nunca mais li um livro como lia antes. Então [hoje] leio um livro já tentando entender, aprender, ganhar referências e tudo, porque entendo que tem um espaço para minha escrita ir ganhando corpo.
Acho que é muito comum — ouvi muitas entrevistas com muitos escritores — e falam “nossa, se eu pudesse eu não tinha publicado meu primeiro livro [risos]… porque naquele momento não estava maduro” — e eu já sou o contrário, já incentivo a publicar hoje que é mais simples e acessível, porque entendo que isso faz parte do processo de construção como escritor e ser humano; tem leitor para todos os nossos livros.
Mas, nesse processo, em determinado momento fui apresentada para a autoficção. Nossa! Se eu soubesse que uma autoficção entra numa categoria que é mais reconhecida como literatura que uma autobiografia, eu poderia ter escrito meu livro dessa forma e ainda não ia desagradar ninguém [risos], porque eu poderia ter esse filtro de que me inspirei na minha história. E fui tentando entender até um determinado momento e perceber “mas aí eu estou me afastando de quem eu sou, e não estou talvez conseguindo valorizar o que tem de bonito na minha escrita”, que é esse lugar de vulnerabilidade.
Hoje, entendo que ofereço meus caminhos internos dessa jornada de autodescoberta como uma possibilidade que alguém se estude mais ou menos pelos mesmos caminhos que eu percorri.
Então, sinto que fui dando uma volta assim [Bruna gesticula um círculo com o indicador], e hoje estou lendo o livro da Annie Ernaux, que ganhou um Nobel de Literatura com uma autobiografia, para entender que… acho que estamos vivendo um momento da história da humanidade que precisamos olhar para nossas emoções, porque por muito tempo a gente só olhou para nossa razão. Então, fui me acolhendo e me entendendo e chegando a esse lugar de que, se existe um mercado que dita alguma coisa, ele vai existir para tudo. Existem regras? Existe. Quem você conhece, quem resenha seu livro… Quem te dá um espaço numa editora… Mas ao mesmo tempo eu tenho um retorno, que acredito ser o mais importante, que é o retorno do leitor. Então, quando a pessoa lê e diz o quanto aquela leitura foi importante para ela, concluo que tenho um papel.
Já escrevi algumas coisas, contos (o próximo livro que estou trabalhando é inclusive de contos), mas me inspiro na história das pessoas, porque eu acho que Deus, o Universo — como a gente quiser chamar — é muito mais criativo que nossa criatividade humana; histórias que você fala “nossa, eu nunca imaginei que isso seria possível!”.
Então, hoje eu sinto que dedico muito mais energia para que a minha escrita possa tocar e ao mesmo tempo ser mais interessante para quem lê, mas entendo que tenho um lugar, um certo estilo. Percebo que existe uma voz. Quando comecei a escrever o livro fui mudando algumas coisas e, daí, na revisão, percebi que tinha uma voz ali e fui ajustando porque achava que fazia sentido comigo mesma.
Passou um ano do lançamento do livro, mas terminei a escrita já tem um ano e meio. Então, acho que tenho tentado encontrar essa linha de como me aprimorar, mas sem me perder de mim.
N.A.: E como foi o processo de encontrar essa escrita? Teve alguma referência, alguma leitura em específico que te ajudou com essa realização?
B.L.: Acho que tudo que a gente lê com certeza influencia na nossa escrita, porque percebo o quanto, desde que passei a ler com os olhos de escritora, a gente se inspira, e o quanto uma escrita faz que você brinque com a sua própria.
Mas sinto que essa voz que me habita já é minha. É muito curioso, porque, quando comecei a escrever, ela já vinha pronta. Então eu tenho um pouco essa sensação de que escrevo o que eu preciso ler, que de certa forma alguns textos vêm com uma inspiração muito grande e que, se eu quisesse escrever dessa forma [não conseguiria].
É bem curioso o processo; fiz um formato de que trago uma notícia e depois volto para contextualizar de um jeito intuitivo. Eu não programei isso com a intenção, mas percebo que isso funciona, porque a pessoa me fala assim [risos] “ah, eu fui ler seu livro antes de dormir e não consegui dormir, fui dormir às 3h da manhã”. Acho muito interessante isso, que criei uma forma de narrativa, mas de forma intuitiva.
Brinco que minha formação foi na escrita de cartas e diários. Quando fui parar para pensar “nossa, eu nunca escrevi”, mas daí percebi “não, a escrita sempre esteve em minha vida!”. Eu nunca olhei para ela como uma escrita profissional, mas sempre escrevi.
Sinto que essa voz foi sendo praticada e, depois das oficinas, senti que em determinado momento eu fui deixando de ser eu. Você vai aprendendo técnicas e formas, vai as experimentando e, às vezes, sinto que isso pode até te travar. Conheci muitas pessoas, outras escritoras, que reportavam que foram fazer uma pós-graduação, um curso, etc., e não conseguiam mais escrever — você começa a se comparar com a Clarice Lispector e acha então que o que você tem para escrever não vale de nada.
Fico então experimentando esse lugar: acho que tem que ter um pouco de técnica, porque ela ajuda. Depois que escrevi intuitivamente entendi que se aprendesse certas coisas minha escrita pode ficar mais fluida, gostosa, aprimorar mesmo — mas percebi que preciso de momentos de descontração que fui encontrando [aos poucos]; até montei um curso gratuito recentemente para brincar de fazer arte, pois percebi que, quando as pessoas fazerem coisas sem obrigação de chegar em um resultado final, elas desbloqueiam e se permitem arriscar, experimentar. Às vezes vai ficar bom, às vezes não, mas isso faz parte do processo e você precisa ter coragem para escrever algo que pode não ficar excelente, mas que faz parte de um processo para, quem um dia aquilo que você publique esteja bom.
Esse tem sido meu exercício: mergulhar um pouco e conhecer um pouco da técnica, mas voltar para um lugar que minha criatividade possa ser livre para que eu não fique bloqueada com expectativa de ganhar o Prêmio Nobel — não que eu não ache que seja possível [risos], porque acredito em tudo nessa vida. Mas, se você faz para agradar o outro, é exatamente esse movimento que faz com que, ou não fique bom, ou você não consiga sair do lugar. Acho que tem que fazer para nos agradar, para ser gostoso, prazeroso, e você ficar feliz com seu resultado que é melhor que o seu mesmo anterior. Se não, fica chato e, se for chato, daí já perdeu o sentido.
Projetos
N.A.: Aproveitando que você falou sobre seu novo projeto de escrita, um livro de contos. Essa produção tem a ver com seus textos no Medium?
B.L.: Não tanto [risos]. O Medium foi o primeiro lugar que comecei a publicar os meus textos, porque eu não tinha segurança, mas queria que estivessem no mundo. Então era um lugar que ninguém conhecia/acessava — porque não divulguei para ninguém — e falei “ah, pode aparecer algum desavisado aqui”, mas foi um exercício para eu ir me sentindo a vontade para, num determinado momento, me sentir confortável de publicar os meus textos em minhas redes sociais.
E, como meu texto num primeiro momento estava muito associado com minha história de vida, então foi essa mistura; fiquei dois anos sem publicar nas redes sociais e, quando publiquei algo eu estava com câncer. Então tive um movimento de retorno muito grande das pessoas, mas depois fui olhar como montei esse texto e falei: “nossa, eu já fiz uma narrativa que, sem pensar, prendi a pessoa; a pessoa ficou me lendo por uns 10 minutos nos stories, segurando a tela para lê-los, ia até o final, me respondia chorando, falando que tinha ficado muito emocionada”. Então, tive uma entrada muito diferente do tradicional; não escrevi uma coisa qualquer, publiquei, e aquilo estava aberto para um julgamento, mas fui gostando e [me] achei [nas redes].
Ao mesmo tempo, sinto que o Instagram pode ser muito cruel, porque, como ele não é uma plataforma de leitura, você pode não ter likes, comentários, e achar que o problema é o texto e não perceber que a pessoa não está no momento em que quer dedicar para ler. Então, o Instagram funciona muito bem para a poesia, que a pessoa lê três frases e compartilha e… deu dois segundos da vida dela e acabou.
Desde o começo do ano eu criei uma newsletter e mando um texto a cada 15 dias. Sinto que meu texto precisa de um pouco de tempo para a pessoa se envolver e elaborar uma ideia, por isso acho que essas plataformas me ajudam bastante.
Mas os contos foram surgindo intuitivamente de um lugar que eu, que fico tão impactada com as histórias [do homem], cheguei a conclusão que minha paixão mesmo é o ser humano. Sou apaixonada por pessoas.
E, às vezes, as histórias mexem comigo e preciso escrevê-las. São histórias que não estão publicadas e vieram desse lugar de uma mobilização… e é muito curioso, porque o texto vem quase pronto, não tenho controle, por isso sinto que é muito interessante; depois que releio digo “acho que isso vai ganhar espaço, chegar a mais pessoas”, mas ao mesmo tempo sinto que precisa de um estado criativo acontecendo, porque essa coisa de sentar para escrever porque eu quero escrever um texto e quero que ele saia assim e tenho uma intenção… até escrevo, mas não sinto que esse texto toca o coração da mesma forma que quando ele vem do meu corpo, nasce de dentro de mim e vai parar na tela do computador.
Então também estou aprendendo a me comunicar nesses dois lugares: da newsletter que tem prazo, e mando a cada quinze dias — tem sido um exercício, porque tem que ter um texto, vindo essa vontade ou não — mas sei que alguns textos chegam diferente para as pessoas porque nascem diferente. É empírico [risos], percebo pelo retorno das pessoas; alguns tocam as pessoas, outros tocam as pessoas mas não mobilizam tanto.
N.A.: Não sei se essa é uma pergunta que tem resposta para agora [risos], mas você pretende publicar seus textos no Medium?
B.L.: Eu estou me organizando para o próximo livro, são doze histórias de mulheres. Ainda não sei como ele vai se concluir, mas ele já está pela metade e tenho essa vontade de provocar emoção. São histórias que quero que despertem algum sentimento com o leitor, porque acredito que estamos sempre na nossa própria obra; sinto que a gente tem uma tendência a ser mais racional, e sentir é um espaço a ser conquistado. Algumas pessoas têm essa sensibilidade de natureza, outras precisam ir aprendendo. Então, a ideia é essa: um livro que mexa com nossas emoções, mas ainda está sendo composto e espero que saia no próximo ano.
N.A.: Você diz que sempre temos uma implicatura [de nós mesmos com o que escrevemos], mas você acredita que nesse próximo livro você está saindo mais de si mesma para olhar para o outro, então?
B.L.: Sim, sim! Já escrevi algumas histórias, não só desse livro, mas textos de histórias que não são da minha experiência (de primeira pessoa), e sinto que por muito tempo precisei olhar para mim antes de olhar para outra pessoa. Porque sinto que quando a gente olha para o outro e não aprendeu a olhar para si, estamos entregando para o outro uma coisa que falta na gente, às vezes. Então, acho que quando você se completa, você tem condição de receber alguma outra história, de perceber outra pessoa e criar empatia.
Dessas histórias, até tenho uma que tem uma faísca de mim, mas elas vêm do meu olhar, da forma que eu enxergo essa narrativa de outras mulheres. Essas histórias tem um pouco de ficção, porque não são relatos reais, mas o ponto de partida vem de uma história real porque são coisas que me tocam.
Acho que depois de passar pelo meu processo e olhar para as minhas dores, hoje eu estou nesse lugar de realmente enxergar; porque acho que como conheci minhas dores, eu enxergo a dor da outra pessoa, que muitas vezes está disfarçada — [como quando] você tem uma atitude raivosa porque está com medo — então hoje sinto que hoje interajo de uma forma diferente com outras pessoas porque eu conheço lugares em mim e às vezes percebo isso nos outros. Não deixa de partir de um lugar meu, mas é um olhar para a dor de outra pessoa.
Jogo rápido (ou quase!)
N.A.: Talvez essa pergunta tenha ficado escondida na terceira — [risos] — mas quais são suas referências literárias, tanto no Brasil quanto no exterior?
B.L.: Boa pergunta! Parte da minha formação como leitora veio do meu ex-marido, que era muito leitor, então comecei lendo Nick Hornby, que era uma leitura muito dessas que você lê rápido — um livro fácil — lendo os autores que ele gostava. Tinha o Paul Auster, que li várias obras e que acho fascinante — histórias maravilhosas! — li esse último dele, “4 3 2 1” que me identifico muito porque conta como seria a vida toda dele caso seguisse quatro caminhos diferentes, algo que sinto que percorro na minha escrita e então algo que gosto bastante.
Mas, conforme fui escrevendo, quis ler pessoas como eu. Fui muito para leituras contemporâneas e, dentro desse processo de me descobrir, fui entender que era feminista — e nem sabia que tinha esse nome! — fui então ler mulheres. Tenho lido bastante, intercalado bastante: leio um livro da Clarice Lispector e leio um livro da Clara Baccarin — que é uma pessoa que conheci e morava na mesma cidade que eu. Ela tem uma leitura super sensível em seu livro de contos, que me tocou bastante.
Até nomes contemporâneos como Aline Bei; tenho lido bastante dessas pessoas que estão sendo lidas hoje, porque tem esse lugar: a gente lê os clássicos, mas a gente espera quanto tempo para essa pessoa morrer e só daí reconhecer o valor daquela obra? Acho que tem coisas que precisamos mesmo de distanciamento, mas tenho feito esse exercício de ler mulheres e ler mulheres contemporâneas a mim, porque elas me inspiram também — tem muita identificação e é mais ou menos por aí que tenho caminhado.
N.A.: E como tem funcionado sua rotina de escrita?
B.L.: Essa é maravilhosa, porque ela é um caos! — [risos] — é muito curioso porque sinto que sempre fui uma aluna certinha na escola e gostei de rotina, e fico muito interessada em conhecer o processo criativo de outras pessoas, quase como se houvesse uma receita que eu devesse cumprir.
Mas percebo que a criatividade é… — escuto muito que é um exercício, de muitos escritores que falam que você tem que sentar todos os dias e escrever pelo menos um tanto de tempo todos os dias. A escrita me acompanha todos os dias: seja numa escrita livre, seja nas páginas matinais, que seja só um lugar de despejar um fluxo de pensamento… e são raros os dias que não escrevo nada, mas sinto que é mais importante cultivar um espaço e rotina para a criatividade estar sempre alimentada do que uma rotina fixa.
Porque hoje entendo, e até posso te contar pelo que ela foi a rotina do livro: escrevi-o ao longo de oito, nove meses. Mas não foi uma escrita que escrevia todos os dias, era foi uma que vinha, sentava, escrevia e aquilo mexia muito comigo e tinha que descansar, não tinha condição de dar continuidade. E fui entendendo isso: “Nossa, o tempo tá passando! Eu me programei e queria que levasse um determinado tempo”. E percebi que sentar na frente do computador para escrever sem vontade/inspiração muitas vezes não era produtivo, e às vezes estava deitada no sofá, assistindo alguma coisa e vinha uma ideia, parava tudo e era hora de escrever.
Tenho então mais cuidado de me manter inspirada, seja assistindo coisas que me inspiram, lendo livros que me inspiram, fazendo outra atividade para quebrar [o bloqueio criativo] e trazer inspiração, do que uma rotina dura, mas, como tudo é prático, essa escrita vai acontecendo.
Entendo que a rotina acontece muito em mim. Estou montando uma palestra agora — não tenho nada escrito no papel, só que já tenho uma narrativa que vai se formando numa conversa com uma pessoa, num vídeo que escuto e, na hora que sento para escrever parece que veio naquele momento, mas tem sido escrito desde aquele momento há bastante tempo. É um processo que não domino, e toda vez que tento dominar ele se enrijece e foge da espontaneidade, do sentir-se mais autêntico e, da forma que eu escrevo, é o que me conecta com o que as pessoas que me leem.
É uma resposta longa, mas é realmente um processo que, para mim, é difícil, e preferia muito mais que funcionasse de eu sentar todo dia e escrever duas horas por dia, porque, para minha mente que gosta de rotina, seria mais fácil e teria algum tipo de controle. Percebo que preciso de um ambiente que me forneça coisas que me alimentem, porque daí vem a inspiração e os textos saem com facilidade.
N.A.: Ainda falando de referências, tem algo que você lê e as pessoas não fazem ideia que você leia?
B.L.: Nossa, essa é diferente. Sinto que minha leitura é bem eclética, porque leio muito. Fui entender [que] essa relação com a leitura, já que foi construída como adulta, foi mudando a forma de perceber o livro. Fui entender que o livro era um lazer, e lia essas obras, esses romances que vêm de um lugar gostoso — sou super visual: eu leio e o personagem tem cara para mim, é uma coisa construída — mas também entendi a leitura como uma forma de aprendizagem.
Então, como me interesso muito pelo ser humano, eu li vários livros para falar dessas nossas facetas. Fui ler livros budistas, de psicologia — porque acho a mente humana muito fascinante — e encontrei também na leitura um lugar de me educar.
Quando olho, acho que tudo isso se complementa; gosto muito de biografias.
Minha leitura é eclética e não sei se surpreenderia as pessoas, leio coisas que ainda dizem de mim, não sou muito fã de terror — já li suspense, porque me prende e acho gostoso, mas não fui muito para esse lugar da ficção científica — acho que o real tem mais a ver comigo (mesmo quando obras ficcionais, que poderiam ter acontecido comigo). Fico com os pés no chão.
N.A.: Gosto dessa pergunta porque é o momento delas revelaram, ou fingirem que nunca leram 50 tons de cinza, e outros — [risos].
B.L.: [Risos] Já li! Não… eu acho que já li algumas coisas, huh, enquanto… Vou te responder assim: antes de eu gostar de ler, eu li coisas que hoje eu não leria. Nossa, tem tantas obras maravilhosas e queria tanto ter começado a ler com cinco anos de idade para ter lido mais coisas do que li até hoje na minha vida que… acho que tem alguns lugares desses best-sellers e falo: puts! acho que vou colocar meu tempo, que é finito, em coisas que inspiram mais — [risos] — hoje em dia sou mais seletiva, mas já li de tudo!
N.A.: Um sonho que ainda não realizou?
B.L.: Um sonho que ainda não realizei… olha, sinto que estou realizando. Porque já sonhei e, sinto que, na verdade, estou aprendendo a sonhar, até diria. Sinto que fui sempre uma pessoa com os pés no chão mesmo, muito pragmática. Conto no começo do livro que estava na minha carreira, querendo crescer com ela e ganhar dinheiro e… o sonho era fazer uma viagem, e aí você viagem e fala daí: “tá bom, e agora? Tem que sonhar outra coisa”.
E daí a gente vai sonhando muito por esse lugar do “ter”. Quero ter uma casa, um carro — meu ex-marido adorava essa pergunta: “se tivesse qualquer carro, qual você teria?” e eu sempre falava: “o carro que eu tinha”. Eu adoro meu carro — [risos] — por que eu vou querer outro? E sinto que a escrita foi me trazendo lugares que desconhecia sobre mim, então se você me perguntasse há cinco anos atrás eu ia dizer “viajar”, porque falava: “puts, se dinheiro não fosse problema o que mais me dá prazer é viajar”.
Mas, hoje, eu provavelmente faria provavelmente as mesmas coisas que estou fazendo hoje porque o que eu faço me dá muito prazer. Sinto que o sonho é chegar em mais pessoas, de alguma forma, seja através de minhas palestras, do livro… Não sei… tenho pensado se me arrisco a gravar vídeos, sinto que a minha mensagem ajuda e, pelo menos quando escrevo um livro/texto, escrevo com objetivo de trazer mais humanidade e desconstruir muitas ideias que a gente construiu socialmente porque esse é um exercício para mim. É uma realização de um sonho porque eu sou sonhadora no sentido de ser utópica; tenho esperança que vamos viver um mundo melhor e termos melhores relações, mais saúde, menos ansiedade, depressão… e sinto que posso contribuir um pouquinho e, então, busco isso nos meus textos, sair daquilo que não é atingível e não vai trazer felicidade.
Essa coisa do dinheiro: você pode achar que o salário, a casa… mas é só você chegar lá que vai descobrir que não era aquilo. Então sinto que encontrar um caminho, uma vida que faz sentido. Já estou num lugar de privilégio, de poder colocar minha energia em coisas que acredito que fazem bem para mim e para as outras pessoas.
Para concluir
N.A.: Bruna, muitíssimo obrigado pela sua participação mais uma vez, foi um grande prazer. Gostaria de deixar uma mensagem final para fãs, novos leitores — quem sabe alfinetar algum escritor premiado [risos] — uma divulgação…? O espaço é todo seu!
B.L.: Acho que é muito curioso: fiz uma oficina em que você tinha que escrever uma carta que iria perder e uma pessoa desconhecida ia receber. E fui falar sobre os problemas da vida. Daí foram falar: mas você nem sabe se a pessoa tem algum problema. Bom, problema ela tem, mas pode não ter consciência, e construí [a carta] para esse lugar.
Sinto que a gente precisa se aceitar e se amar. Parece muito coisa de autoajuda, muito de religião, mas sinto que é o único caminho possível, é aceitar as nossas imperfeições, dificuldades; se acolher é o caminho que eu mesma às vezes tropeço e preciso me lembrar disso.
Então, como mensagem final eu diria isso, para a gente olhar para si e para os outros com mais humanidade, mais coração e menos julgamento. Sinto que essa é uma trava que tira toda a beleza das pessoas, relações, daquilo que é produzido. A gente está aqui tentando se copiar e fico pensando onde nós vamos chegar sendo a outra pessoa — não tem sentido na minha cabeça. Como mensagem final, acho que é isso: a beleza está na autenticidade de cada um e ninguém fala para a gente; do que você gosta, de olhar para o que você faz bem — você está sempre tentando ser melhor comparado com outra pessoa e sinto que isso tira [a beleza].
Porque penso: se a gente está aqui, em oito bilhões, é porque cada um tem uma coisa a ser acrescentada, sabe? Complementada. E, quando tentamos ser aquilo que não é, perdemos a chance a oportunidade de ter esse encaixe, esse seria o desejo: cada um ser o que é é. Tão simples e estamos tão distante disso.
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