O Novo Cinema Argentino (NCA) nasceu no final da década de 1980 e início da década de 1990, durante o governo do presidente Carlos Saúl Menem (que foi de 1989 à 1999), o qual aprisionou a economia em um projeto de estabilidade, mas que na verdade apenas era uma máscara para o que realmente acontecia: as bases da economia agropecuária e de energia empobreciam-se enquanto a educação, cultura e saúde ruíam.
Em meio à essa crise, cineastas veem no cinema a possibilidade de mudança de pensamento da população, conscientizando-os através das reflexões que a arte traz a tona. E a população, em troca, consome as produções nacionais em nível muito elevado.
Essa geração de cineastas concentrava seu foco temático em conflitos pessoais e histórias que, sutilmente, refletiam os impactos da crise nacional e a apatia da população para com a situação. Um realismo cru, com forte influência do cinema direito e documental. Era uma forma de expressar o conflito existencial que existia diante da desagregação social. Uma referência clara ao estilo neorrealista; com atores não profissionais e locações reais. Acrescentava-se ainda a esse cinema o pessimismo, fiel à realidade presente.
Os filmes eram produzidos com poucos recursos. Eram minimalistas os planos, a luz, a quantidade de personagens… Era um cinema independente. Produzido geralmente a partir da associação de estudantes que conseguiram reavivar o cinema argentino em um período político tão crítico e que contava com uma população tão depressiva e sem esperança.
Em paralelo a essa grande crise, o número de estudantes de cinema aumenta consideravelmente. A capital, Buenos Aires oferece excelentes cursos, englobando desde a realização à crítica de cinema em instituições como o Instituto Nacional de Cinematografia e Artes Audiovisuais (Incaa), Escuela Nacional de Realización y Experimentación Cinematográfica (Enerc) e a Fundação Universidade do Cinema (FUC).
Um quesito incentivador do aumento de produções cinematográficas nessa época foi a paridade dólar-peso, facilitando a aquisição de equipamentos digitais e permitindo a existência de um cinema independente. Além disso, a projeção internacional; a criação da nova Lei do Cinema (lei de fomento e regulação da atividade cinematográfica nacional criada em 1994 onde os fundos de fomento passaram de 8 milhões de dólares para 40 milhões – o que, mais tarde, foi reduzido a menos de um terço, devido a crise); o compromisso do Incaa com a distribuição de filmes nacionais e a criação/reestruturação de festivais como o Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata (sua última edição acontecera em 1970 e retornou em 1996) e o Bafici – Buenos Aires Festival Internacional de Cinema Independente (surgiu em 1996, com o objetivo principal de possibilitar a circulação do cinema independente e sua produção através de contatos com redes de televisão, investidores internacionais, etc.), foram acontecimentos essenciais para a consolidação desse cinema.
Em 1995, a FUC promoveu um filme em cooperação com o Incaa, chamado Histórias Curtas, onde seus primeiros formandos conseguiram estrear em 35mm. O projeto uniu curtas de cineastas que se tornariam grandes nomes do cinema Argentino, como Lucrecia Martel (Rey Muerto), Bruno Stagnaro (Guarisove, los olvidados), Adrián Caetano (Cuesta abajo), dentre outros.
Mas é mais tarde que os nomes do “Histórias Curtas” têm o reconhecimento que merecem. Um destaque é Lucreria Martel, que lança em 2002 o filme La Ciénaga (O Pântano, em português) onde traça um panorama de duas famílias conformadas e estagnadas com relação à qualquer situação, explorando uma atmosfera que envolve sexualidade, orgulho, machismo, preconceito e indiferença de uma burguesia decadente, de forma sutilmente inquietante.
Esse ciclo de cinema criado por cineastas inconformados com a situação em que viviam, política e economicamente, no país, bem como a que se encontrava sua população, tem sua visibilidade comprometida com o passar do tempo, mas abriu portas para o Cinema Argentino de modo geral, que atualmente conta com grandes filmes como Relatos Selvagens (Damián Szifron, 2014) e O segredo de seus olhos (Juan José Campanella, 2009) – ambos com atuação de Ricardo Darín, um dos atores mais reconhecidos por seu trabalho no cinema argentino e internacional.
Por Letícia Vilela
* Referência Bibliográfica: MOLFETTA, Andrea. Cinema argentino: a representação reativada (1990-2007). In: BATISTA, Mauro; MASCARELLO, Fernando (orgs.). Cinema mundial contemporâneo. Campinas: Papirus, 2008.
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