Sair da sombra dos pais, especialmente quando estes são famosos, representa um desafio para muitos. Imagine, então, ser filho ou filha de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve. Esse é o caso de Chiara Mastroianni, que, independentemente de sua família, consolidou uma carreira com seu próprio talento, sem necessitar, ao menos não aparentemente, da ajuda de seus pais. No entanto, mesmo com essa trajetória considerada independente, parece que Chiara deve ter enfrentado ou ainda enfrenta as consequências de ser filha de quem é. Em “Marcello Mio”, uma espécie de docudrama com nuances de comédia, a já experiente atriz decide começar a atuar e a se vestir como Marcello, após perceber que, em todos os testes que realiza, os diretores o procuram nela.
Christophe Honoré utiliza o drama de sua protagonista para, simultaneamente, estudá-la como pessoa e atriz, ao passo que presta uma grande homenagem ao ator italiano falecido em 1996. O roteiro transforma Chiara em um Marcello convincente para os propósitos do filme, especialmente porque ela possui alguns traços marcantes dele. Ela então começa a vagar por Paris e Roma, solicitando que todos a tratem como Marcello. Sua própria mãe entra na brincadeira, assim como o ator e amigo de longa data Fabrice Luchini. Outros, como a cineasta Nicole Garcia e o ator Melvil Poupaud, não aceitam a transformação. O espectador, contudo, torna-se seu cúmplice, passando a sonhar com um Marcello em pleno ano de 2024. Será que ele seria aceito nos dias atuais? Será que faria tanto sucesso quanto no passado? Essas perguntas, entretanto, são apenas para quem assiste ao filme; Chiara apenas busca se aproximar de seu pai e reviver um passado de infância e juventude. Talvez também tente compreender todo o fascínio que ele gerou além das telas do cinema.
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Para isso, Honoré traça um caminho entre a realidade e a ilusão, apresentando situações inusitadas, como o encontro de Chiara com um cachorro perdido em Paris, que se assemelha a um que seus pais possuíam no passado, e o flerte com um soldado britânico com tendências suicidas. Essas situações são quase surreais dentro de uma estrutura narrativa que privilegia o lúdico acima de qualquer outra coisa. Os reflexos em espelhos e poças d’água também fazem parte dessa construção de uma dupla identidade ou personalidade fabricada intencionalmente. Nos reflexos na água, contudo, as formas se desvanecem, o que propõe uma construção ainda mais complexa da personalidade do “novo homem”.
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Além de refletir sobre o relacionamento entre pai e filha e homenagear um ícone do cinema, “Marcello Mio” também pode ser considerado uma discussão sobre gêneros bastante contemporâneo. Este, evidentemente, não é seu tema central, mas a abordagem de seu roteiro é tão incisiva que tal definição pode ser incluída no contexto.
Filme assistido na 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo
Imagem em destaque: Divulgação
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