O filme “Meninas Malvadas” (2004, dir.Mark Waters) tem roteiro de uma das mais audaciosas pessoas da indústria do entretenimento, Tina Fey. Completamente atenta ao poder da comédia em desmitificar preconceitos, a autora usa sua inteligência sofisticada para fazer do universo pop espaço divertidamente pedagógico. No filme, ela atua como a professora de Ensino Médio, responsável por trazer à tona a flutuante ética do mundo competitivo das adolescentes – reflexo de algumas das neuroses da vida adulta. O humor da Tina Fey não se alimenta da manutenção de estereótipos e parece concordar com artigo de Fernando Ceylão, publicado em setembro de 2013: “Os piadistas costumam condenar o ‘politicamente correto’ como se fosse ele o vilão que impede a heroica piada de seguir seu rumo. Negar a possibilidade de existência do ‘politicamente correto’ coloca o humor no lugar de quem ele deveria estar criticando: no lugar do absolutista. Afirmar que a existência do ‘politicamente correto’ poderia impedir o humorismo de seguir em frente é proibir a democracia e o pensamento. Se tudo tem um limite, por que o humor não haveria de ter o seu? Não permitir que alguém tente teorizar algum tipo de limite pro humor é dar ao gênero poderes de um ditador tirano. O humor pode tudo? Em nome da piada, tudo vale? Sério? E não seria assim que pensam os grandes ditadores?”
Se em toda Jocasta há uma Norma Bates em potencial, como perceber onde começa a patologia? Reconhecer-se através do olhar do outro não é raro. Jean Paul Sartre descreveu episódio em que, ao sair do vagão do metrô, um jovem lhe estendeu a mão em atitude solícita. Naquele instante, ele viu quem era: um idoso. Nós mudamos o tempo todo e nosso auto-conhecimento vivencia momentos de neblina. Na adolescência, o processo é ainda mais radical. A ambiguidade dos sentimentos se mistura à turbulência dos hormônios (como se Tarantino estivesse na direção de um roteiro de Bergman).
“Eu não te odeio porque você é gorda. Você é gorda porque eu te odeio.”
A dificuldade de reconhecer a própria identidade é imensa para todos. No entanto, em uma sociedade que educa mulheres para, através da aparência, competirem entre si pela atenção dos homens, tornar-se quem se é passa a ser missão baseada em cirurgias estéticas, maquiagens e coquetismo. Ao estimular a sororidade entre as meninas, o filme descreve quão plástica é a pragmática da beleza definida por ideais machistas e misóginos. Em um planeta dos homens, só cabe às mulheres fragilidade e disfarces – em uma lógica hamletiana.
“Às quartas, usamos rosa.”
Todo o mundo capitalista experiencia a publicidade como linguagem da produção do desejo e a retórica teen não foge à regra. A imagem convence antes de o conteúdo ser estruturado: Cady Heron (Lindsay Lohan) é seduzida (do latim: desviar-se do seu caminho) pela perversa e fascinante Regina George (Rachel McAdams). Em território estrangeiro, é irresistível ser adorada por todos – mesmo que pelas mais mesquinhas razões. É reconfortante ver essa menina malvada retomar uma trilha que abraça a diversidade e transforma a cafonice de um baile de formatura em um tratado de amor pela humanidade.
“Você não pode sentar com a gente.”
O artista tem o papel social de questionar o status quo. Assim, muitas vezes cria condições para que as vozes caladas, no cotidiano, sejam amplificadas. Não se trata de simples propaganda. Portanto, há que se construir, com véu de Maia, os microfones. Nesse aspecto, a narrativa é tecida para a conclusão final: não há limites. Ridicularizar outras pessoas não nos torna melhores; a única coisa relevante a fazer é focar na solução dos problemas. O bom humor nos leva nessa direção.
Por Carmen Filgueiras
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