A diretora Lúcia Murat retorna a um dos seus temas mais caros com o filme “O Mensageiro”, com uma história nos Anos de Chumbo no Brasil, da ditadura, sendo ela própria uma militante ativa na luta contras as injustiças nesse período, e que está muito presente na sua filmografia com filmes bem pertinentes sobre esse assunto.
Considerando que nesse filme a história é semi autobiográfica, se nos permitem esse termo, pois a história trata de um soldado do exército que se compadece de uma prisioneira ferida e começa a se comunicar com a família dela, dando além de prova de vida, a esperança de que ela possa ser resgatada, é de se admirar a forma em que a diretora se permite revisitar essa situação e fazer disso um filme que gera revolta, reflexão e um bom cinema.
Grande vencedor com oito prêmios no 1 º Festival de Cinema Internacional de Paraty (entre eles filme, diretora e ator), nos brinda com interpretações emocionais e pungentes, com o estilo característico, formal da diretora, mas muito preciso em relatar as barbaridades e sequelas de uma era que o país e as pessoas que passaram por isso não superaram, pois não houve um acerto de contas (no bom sentido), como ocorreu no país vizinho, a Argentina, com julgamentos, prisões e reparações.
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Um cinema necessário também para as novas gerações, que flertam com a impressão equivocada e alarmante de que ditadura é algo bom, que traz ordem, como se não houvessem sido descobertos anos depois, centenas de caso de corrupção e prisões ilegais por interesses pessoais de poderosos, além do famigerado assassinato de reputações, que hoje é equivalente ao cancelamento.
Ou que “todos” os presos eram “comunistas” e “mereciam” a repressão e torturas que passaram, mas não pensam que a maioria queria a liberdade que lhes foram tomadas e os simpatizantes nem percebiam…
Nada mais longe da verdade e assistindo ao filme, vemos que nada justifica tamanha violência, truculência e ignorância, pois há sempre crimes que se puna pela lei, mas tortura, maus tratos e tirar das famílias a chance de saber onde estão seus parentes não é humano.
E Lúcia Murat sabe muito bem percorrer esses caminhos espinhosos, com um desenho preciso da grande maioria dos personagens, da cenografia em um quartel real e nos porões onde os presos ficavam, onde não se conseguia nem ficar em pé em plena paisagem no Rio de Janeiro.
A diretora sabe escrutinar os momentos de angústia da família, das pessoas que não se conformam com a situação e até de pessoas que ficam a parte do que acontece pelo país.
E melhor, é arguta ao mostrar o preço que toda essa violência cobra de pessoas jovens que passam por essa barbárie, e isso é expresso nas interpretações do ator Shi Menegat (o soldado/mensageiro Armando) e da atriz Valentina Herszage, que defende com vulnerabilidade, a prisioneira Vera, e isso para ficar só nesses dois personagens.
Embora pelo academicismo da diretora o filme não se preste a inovações e pareça um pouco “quadrado”, é de se admirar a consistência artística sem se prestar ao revisionismo histórico e contar as histórias de pessoas, não caricaturas e isso em ambos os lados.
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Dessa forma, torçamos para que mais uma das obras importantes e recentes do cinema nacional encontre seu público, pois a diretora Lúcia Mural construiu um filme humanista e necessário que além disso, pode ser utilizado como uma porta aberta para o diálogo entre os diferentes, pois a conciliação nas divergências é uma das armas mais poderosas contra o avanço de uma ditadura e das barbáries da perda de liberdade, que, em maior ou em menor grau, deveria impactar toda uma nação, e onde não pode haver esquecimento para que não se repita jamais.
Assistido no 1º Festival Internacional de Cinema de Paraty
Imagem Destacada: Divulgação/Imovision
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