O livro de hoje foi escolhido a dedo para aqueles que, assim como eu, pegam aquele bom e velho busão para se transportar para casa, trabalho, farra e afins. É uma obra que fala da questão do deslocamento tanto real, quanto figurado. Além de relações interpessoais.
Quem nunca utilizou a janela do ônibus para pensar? Quem nunca se escondeu na sombra do poste para fugir do sol enquanto o coletivo não vinha? Quem nunca fugiu do sol dentro próprio ônibus?! Quem nunca prestou atenção na conversa das senhoras do banco da frente? Quem nunca correu para sentar no banco alto? Quem nunca?!
Se você respondeu “sim” para pelo menos uma dessas perguntas, então já participou da experiência sócio-coletiva que é andar de ônibus.
O Passageiro do fim do dia de Rubens Figueiredo, vem mostrar através do casal Rosane e Pedro os estereótipos bem marcados de todas as pessoas que utilizam ou já utilizaram esse meio de transporte. Você simplesmente se reconhece em cada linha, cada fala, cada situação descrita.
Tecnicamente, o livro passa ser um romance quase angustiante e arrebatador. E mais… para nós que vivemos essas situações todos os dias indo e vindo, é altamente factível, táctil, olfativo, palatável… é uma obra onde todos os sentidos são aguçados.
Pedro não é rico, mas leva uma vida modesta ao lado da mãe no centro de uma grande cidade. Por conta de um acidente (ele foi atropelado por um cavalo), conseguiu uma indenização e abriu seu próprio negócio. Um sebo de onde tira as leituras e os livros para suas viagens.
Rosane vive com o pai e uma tia em uma casa simples na periferia da cidade. Casa esta, que foi conseguida por intermédio do Governo. Apesar das duras condições, Rosane é uma pessoa viva. Que gosta da vida. Nunca se deixa abater.
Ambos se conheceram no supermercado, e a história se passa em uma única viagem. Pedro sai do trabalho para encontrar Rosane em sua casa. E é nessa viagem que as coisas acontecem (dentro e fora da sua cabeça). Ele tem como companhia um livro novo que acabara de chegar no sebo. Um escrito de Charles Darwin quando veio de visita ao Brasil. Ao fundo, uma trilha sonora específica que sempre leva consigo.
O que chama bastante atenção também é o fato da escrita ser ininterrupta. Não há divisões de capítulos, o que pode deixar o leitor confuso, às vezes. São 197 páginas de leitura direta. São 197 páginas dentro do olhar atento (e distraído ao mesmo tempo) de Pedro. E onde ele vai, você vai junto.
Rubens Figueiredo trabalhou como tradutor e vemos seu nome atribuído à Literatura Russa como: Anna Karênina, Guerra e Paz, Pais e Filhos, dentre outros Russos. Mas em Passageiro do fim do dia seu trabalho de tradução foi além. Ele conseguiu traduzir a alma dessas pessoas que todos os dias enfrentam a rotina de passar horas dentro de um ônibus, que atravessam a cidade em busca da felicidade, seja ela o qual for.
É um romance que funciona também como manifesto político. Funciona bem, inclusive como muitas coisas. É a vida falando para gente. Tem poucos personagens, mas muita história. Figueiredo aqui deu uma aula de Literatura.
Nessa segunda, você que está aí sentado dentro do ônibus (ou não), lendo esse artigo, dê uma chance. Dê uma chance de se ver representado dentro da nossa cultura. Vai valer à pena.
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Posso ler em casa? Fico enjoado lendo no ônibus….