A primeira vez que “O Berço do Herói”, peça de Dias Gomes, foi quase adaptada, pelas mãos dele mesmo, foi nos anos 70. Os militares, no entanto, acharam tudo muito pitoresco e não liberaram a transmissão. Na década seguinte, com algumas adaptações, “Roque Santeiro” estreou na Rede Globo, em 1985, escrita pelo próprio Dias Gomes em companhia de Aguinaldo Silva.
Com uma leve adaptaçãozinha – nem tão leve assim – a novela mostrava a pequena e exótica cidade fictícia de Asa Branca, lar do “quase” santo Roque Santeiro, herói da população que teria morrido defendendo seus conterrâneos do ataque de um bandido perigoso chamado Navalhada. Mal sabe a população da cidadezinha que Roque está, na verdade, muito longe dali, e depois de se dar mal volta para seu quase lar.
Mas, esse retorno não poderia vir em hora mais imprópria, pois toda Asa Branca se estruturou em cima de sua figura e tem sua economia baseada em seus “milagres”. Os políticos da região, que são as pessoas mais ricas e também os empresários de lá, construíram uma verdadeira fortuna no mistério que ronda o personagem principal, e seu regresso simplesmente acabaria com todo o progresso da pequena cidade.
Mas, por que essa história, que parece apenas uma comédia incomodou tanto os militares? Segundo Carlos Lacerda, um dos responsáveis por censurar “O Berço do Herói”, o texto é subversivo. Em 1975, durante o Jornal Nacional, o apresentador Cid Moreira leu um informativo que dizia que a novela Roque Santeiro, que estrearia após o jornal, havia sido censurada pelo ministro Armando Falcão. Assim como a peça na qual era baseada, seu texto foi considerado subversivo. E de nada adiantou os apelos da Rede Globo, ela ficou censurada até a abertura política que aconteceu nos anos 80.
O incômodo pode ser explicado: o texto brinca claramente com muitas figuras importantes no Brasil. Com a Igreja, instituição que mais de 70% dos brasileiros fazem parte, o coronelismo, tão presente e ao mesmo tempo tão escondido nas terras tupiniquins, a política e etc. Dias Gomes construiu uma história que falava com o povo de maneira sutil, mas eficaz.
A Viúva Porcina, Sinhozinho Malta, o próprio Roque Santeiro e vários personagens representados ali fizeram muito mais que divertir, eles passaram uma mensagem. Ainda que Aguinaldo Silva tenha enveredado a novela para um caminho mais comum aos melodramas (Dias e Silva dividiram a escrita da novela: Dias escreveu o começo e o fim, Silva o meio), o universo irônico e espinhoso de Gomes estava lá. Com seu humor sagaz, o autor alfinetou a própria ditadura, a posição social da Igreja, a sociedade dos anos 80, os políticos e empresários.
Esteticamente falando, “Roque Santeiro” tem um dos melhores visuais já visto. Suas roupas foram moda, assim como maquiagem, cabelo. A novela, além de ser um acerto em relação ao texto, também foi em relação a cultura pop. Todos imitavam Viúva Porcina e Sinhozinho Malta, seja na forma de vestir, seja na maneira como falavam. José Wilker foi um ótimo anti-herói (Wilker viveu o personagem Roque Santeiro), mas sem dúvida nenhuma a produção ficou marcada pelos personagens Sinhozinho Malta e Viúva Porcina, interpretados com excelência por Lima Duarte e Regina Duarte.
“Roque Santeiro” foi eleita diversas vezes como uma das melhores produções existentes. E não é para menos. São poucas as novelas em que há um texto tão inteligente e que cai tão bem no gosto popular como aconteceu aqui. Merecidamente, esta é uma novela que deve ser sempre lembrada. Até porque seu texto carrega características que o deixa atemporal.
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