Primeiramente, preciso deixar bem claro a grande responsabilidade que assumi comigo quando resolvi que seria uma boa ideia publicar uma matéria sobre o trabalho do rapper Criolo.
Conheci o artista após o lançamento do CD Nó na Orelha, em 2011. Confesso que na primeira instância, não compreendi a totalidade da obra, bem como a construção artística da mesma. Dentre vários questionamentos procurei entender porquê Criolo é um dos maiores e melhores representantes do rap nacional, tendo em vista que as faixas contidas nesse CD não são majoritariamente seguindo esta vertente. É algo muito pessoal interpretar a obra de um artista. Mesmo assim, meu anseio era entender que vivências davam sentido àquelas letras. “Não existe amor em SP”, “Freguês da Meia-Noite”, “Samba Sambei”, “Grajauex”, “Linha de Frente”. Essas são algumas músicas que carregam uma poesia cheia de sentido, mas para quem? Para quem busca entender e associar o contexto. Tão logo, conheci o CD Ainda há Tempo, que foi lançado em 2006 e não pude conter o arrepio ao escutá-lo dizer que “as pessoas não são más, elas só estão perdidas, ainda há tempo!”. Pensei comigo, como pode alguém carregar tamanha esperança e desaguá-la com tamanha paz?! Tendo em vista, tão somente, o paradigma do nosso país, como ele poderia cantar isso com verdade?
Kléber Cavalcante, ou Criolo, foi criado no Grajaú, região pobre de São Paulo. Acontece que algumas pessoas tem um chamado que as impele a depositar na sociedade vivências, aprendizados e experiências que podem contribuir de maneira positiva. Logo vim saber que Criolo trabalhou também como educador entre os anos de 1994 e 2000, permitindo-o ver grandes injustiças e violações cometidas contra o sistema educacional. Ele presenciou de maneira forte o quanto as crianças e jovens são privadas do direito a informação e conhecimento. Criolo é uma grande ferramenta de incentivo a cultura. Criador da Rinha dos MC’s, evento que conta com batalhas de rap, graffiti e fotografia. O que você puder contribuir artisticamente, é bem-vindo. A partir desse conhecimento, entendi esse freixo de esperança cantada na poesia de “Ainda há tempo”. O porquê das pessoas estarem perdidas, a razão de acreditar que o problema não tá no povo.
Em várias entrevistas, Criolo conta como foi sua experiência inicial com o rap, vertente musical que o abraçou. Existia e ainda existe um preconceito sobre artistas que cantam músicas desse gênero, algo que era muito mais cruel em 1989, quando ele começou a atuar nesse cenário musical. Não só em entrevistas ele conta, mas em suas letras também.
Criolo, pra mim, é um grande exemplo do que é ter esperança no povo. Despeja em nós uma chuva de poesias, algumas ácidas (porquê a realidade é ácida), algumas carregadas de esperança, algumas que são um verdadeiro balde de água fria em atitudes e pensamentos desfuncionais que nós temos.
É preciso entender, que o rap vai muito além da habilidade do freestyle, dos beats e do volume de palavras que você pode encaixar em 30 segundos. Como ele diz na música “Lion Man”, faixa 9 de Nó na Orelha; “MC bom é mais que photoshop e refrão”. Ciente disso, ele faz o que canta. Em Convoque seu Buda, Criolo deságua em nós poesias com teor bem mais crítico da realidade como um todo. Começa o CD avisando “convoque seu buda, o clima tá tenso”, seguindo de afirmações contra intolerância religiosa, contra a violência do Estado contra a juventude, à favor das manifestações, que tem se tornado uma atitude cada vez mais necessária do povo para garantir apenas seus direitos. “Eu que odeio tumulto, não acho insulto manifestação. Pra chegar um pão quentinho, com todo respeito a cada cidadão”, afirmativa da faixa 5 do CD. Canta rap com samba, com reggae, com MPB. O importante é que a essência é do rap, mas não se atendo somente a esse gênero, trabalha com outros, contando com a maestria de Daniel Ganjaman, que abraçou a arte do rapper desde Nó na Orelha. E o resultado é sensacional. Ambos são artistas de muitas esferas, habilidades e capacidades de contribuir de diversas formas para a mudança de paradigmas. O DJ DanDan também faz parte de muito que usufruímos do trabalho de Criolo. Estando sempre ao seu lado no palco, trazendo muita energia positiva para os presentes, tornando o show não só uma apresentação de algumas músicas, mas também uma experiência de avivamento, positiva e renovadora.
Criolo tem como influência desde trabalhos como o do Sabotage, Trilha Sonora do Gueto, Facção Central, RZO, até Chico Buarque e Ney Matogrosso.
Participou do programa Som Brasil Especial, ocasião em que homenageou Vinicius de Moraes. Quem contaria com um rapper homenageando Vinicius de Moraes? Se você chegou até aqui, esse questionamento é facilmente dissolvido.Homenageou também Tim Maia, na turnê Viva Tim Maia, ao lado de Ivete Sangalo. Inclusive já cantou também junto a Caetano Veloso, outro grande nome da MPB.
Em 2015 regravou o álbum Ainda há Tempo, de 2006. Neste relançamento, é muito explícito a evolução da produção musical e também a adaptação de algumas letras. Adaptação que não muda a totalidade da mensagem, mas altera sim alguns fragmentos muito importantes. Mostrando amadurecimento e consciência de que algumas expressões, mesmo sem intenção, acabam se tornando ofensivas. Como por exemplo, na letra de “Vasilhame” ele se utiliza da expressão traveco na narrativa de uma história. Expressão abolida na regravação, tendo em vista que essa forma de se expressar é ofensiva.
Criolo é um exemplo de músico, artista e ser-humano. Não negligencie sua arte (nem a de ninguém) por ser cria do rap, Criolo tem muito a nos dizer com suas poesias. Tá esperando o que para ouvir?
Por Letycia Miranda
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