Um olhar na diagonal e eu a teria percebido a correr na fantasia ao lado, absorta nas brincadeiras de boneca, nas cantigas de roda, nas futricas femininas da infância. Mas o meu olhar se voltava na direção oposta, ocupado que eu estava com as minhas aventuras de menino, desbravando dia após dia os mesmos novos caminhos, ora ao lado de nobres cavalheiros da Távola redonda, ora acompanhado de marujos destemidos em busca da libertação de bravos companheiros das mãos de piratas, ora em cavalgadas pelo nosso Arizona sempre a mercê de um ataque indígena. Vez ou outra vivenciando mais um emocionante episódio no velho oeste. Contudo, donzelas aprisionadas na torre do castelo não estavam no roteiro.
O tempo foi passando enquanto eu corria atrás da bola, escalava muros, montava torres de latas, fabricava meus brinquedos e sonhava meus sonhos de criança. O tempo todo eu sonhava enquanto o tempo passava e ela crescia. Eu virando homem e ela virando mulher.
Um olhar na diagonal e eu a percebi pela primeira vez de um jeito diferente. Notei suas curvas, sua pele, seu cabelo, seu sorriso. O coração bateu fora do compasso. Algo fervilhou dentro de mim quando ela saiu de dentro de casa naquele fim de tarde, de banho tomado, toda perfumada, vestindo blusa preta sem manga, short curto bege, roupa colada ao corpo mostrando suas formas. Eu estava experimentando um sentimento que eu não conhecia. Ainda hoje eu não sei se eu estava descobrindo o amor ou descobrindo o desejo por uma mulher.
Ela passou com o tempo. Passou pela minha vida sem que eu tivesse tempo de sofrer por ela. Só me lembro de ter-lhe dirigido um longo olhar contemplativo. Mas, acho que nem ela nem ninguém perceberam qualquer coisa. Ainda assim, ela ocupou meu pensamento e protagonizou inúmeras fantasias por muitos dias. Entretanto, na minha timidez de menino, eu nunca tive coragem de abordá-la. E ela, claro, nunca soube de nada.
Só sei que a partir daquele dia o meu olhar para ela passou a ser diferente. Não era mais o olhar do menino, companheiro das brincadeiras entre meninos e meninas, do pique – esconde, do pique – bandeira, do mata-mata. Era um olhar movido por um desejo, um estranho desejo que só mais tarde eu viria entender. Eu passei a olhá-la como um homem olha uma mulher.
Talvez tenha sido esse o dia em que eu percebi que eu estava deixando de ser menino e me tornando homem. No dia em que eu lancei, num desses acasos da vida, um simples olhar na diagonal e deparei com a filha da vizinha desabrochando como uma bela flor.
Por Ivo Crifar
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