São 50 homens em cena. Pés descalços em profunda conexão com a terra. Razão. Tensão! Fôlego. Pulso. Pulsar. Uma luz que rasga a cena e revela apenas aquilo que deseja revelar. Faz surgir! Emergir. O pulso, pulo. A sonoridade criando a cena que é embargada pela estranheza e potência dos sons. Música? A não música que canta aos nossos ouvidos um sopro de dor e medo e ansiedade e não saber. Aquilo que nos rasga e também nos torna fortes e ao mesmo tempo fere. Dói. Dor. Ascensão e queda meticulosamente delineadas. Corpos e mais corpos, uns sobre os outros formando uma montanha da vitória de um Senhor e ao mesmo tempo de morte de tantos, que talvez um dia também tenham sido senhores. Desfazem-se em um rio corpulento que toma toda a extensão do palco. Este é lavado por suor, ossos, pele, sangue, emoções, lágrimas, pensamentos, dor. Uma lâmina prateada que corta a cena e nos põe apreensivos com as terríveis possibilidades contidas nela. Os “inimigos” se entregam em uma corrida desenfreada de encontro a espada do tirano. Luz e sombra coabitam fazendo a atenção da plateia se manter intacta. Até respirar se torna algo delicado e cuidadoso para não perder nada. Foram 60 minutos de espetáculo onde a fisicalidade foi o destaque. A dramaturgia cênica criada por Olivier Dubois foi algo que realmente chocou. Pois fica o questionamento de como, em tão pouco tempo, basicamente uma semana de processo intenso com os artistas selecionados aqui no Rio de Janeiro, esse coreógrafo, performer e professor conseguiu unificar tantas linguagens corporais? Como conseguiu criar um espetáculo tão coeso e preciso? Dança? Teatro? Performance? No final das contas pouco importa aqui uma definição do que vemos no palco e sim de que forma nos atinge, e atinge.
Na montagem, o bailarino solista Sebástien Perrault vive um rei adulado, heroico e triunfante, que, ao mesmo tempo, está terrivelmente só e preso à paranoia do poder. O corpo de baile, por sua vez, se funde ao cenário onde, especialmente nas batalhas, os homens são perseguidos e dizimados pelo Rei.
Com referências a líderes históricos, como Alexandre, o Grande e Genghis Khan, em “Memórias de um senhor” Dubois convida o público a uma viagem mergulhada em um drama elisabetano que atravessa os tempos, refletindo sobre a sensação de solidão de inquietude que o poder tem a capacidade de provocar nos indivíduos. Imagens cênicas que nos levam a incontáveis lugares para além do que é visto. Memórias, história, vivências, passado e presente se fundem diante dos nossos olhos. Uma narrativa praticamente muda, mas que consegue chegar a cada espectador berrando algo que a princípio nem sabemos muito bem identificar e conforme o tempo passa dentro e fora de cena, vai se instalando e vamos nos damos conta que também é sobre as fragilidades humanas, mas também sobre nós, nosso ego, nossas dores e lutas em alguma instância.
Um trabalho realmente primoroso e que contou com o engajamento desse diretor incrível e sua equipe técnica super empenhada por trás, mas primordialmente com a entrega de cada ator e bailarino que compôs o espetáculo. Certamente algo feito de coletivo e que só foi possível por este motivo.
O espetáculo esta em circulação e por onde passa realiza uma residência que reúne artistas locais para sua realização e esteve em cartaz nos dias 12 e 13 de Novembro na Cidade das Artes.
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