Guitarrista original do Kiss faleceu aos 74 anos
Ace Frehley, o guitarrista que deu corpo e som ao personagem mais enigmático do Kiss, morreu aos 74 anos, deixando uma herança que ultrapassa as fronteiras do rock. Mais do que um músico, Frehley foi um arquiteto do imaginário: um artista que transformou a linguagem da guitarra elétrica em espetáculo visual e emocional em consonância com a proposta da banda de ter os membros como personagens saídos de uma hq.
Quando se juntou ao Kiss em 1973, o rock vivia uma era de mitologias — um tempo em que as bandas queriam ser mais do que grupos de homens tocando instrumentos. O Kiss levou essa ambição ao extremo, convertendo cada integrante em um arquétipo: Paul Stanley era o filho da estrela; Gene Simmons, o demônio; Peter Criss, o felino; e Ace, o Spaceman, o homem cósmico.
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O estilo de Frehley não era feito de virtuosismo técnico, mas de peso, textura e presença. Seu famoso “monster plod” — o riff arrastado, quase pré-metálico, que pulsava com a força de um dinossauro — deu ao Kiss uma espinha dorsal sonora. Sua guitarra não competia com os fogos de artifício no palco: ela ERA o fogo. Literalmente.
A lendária “Smoking Pickup Guitar” de Ace Frehley, do KISS, nasceu da mistura entre som e espetáculo. Inicialmente, o guitarrista usava simples bombas de fumaça acesas à mão, mas logo transformou sua Les Paul em um instrumento pirotécnico: removeu o captador do braço e instalou ali um sistema com luz e fumaça acionado por um técnico nos bastidores, depois aprimorado com baterias e controle pelo botão de tom.
A fumaça saía do captador iluminado, criando o icônico efeito “White Hot Pickup”. Mais tarde, a guitarra chegou até a ser içada ao palco como parte do show. O invento virou um símbolo do estilo teatral do KISS e segue sendo usado até hoje, mantendo viva a chama — e a fumaça — da era dourada do rock.
Quando os quatro integrantes lançaram álbuns solo em 1978, o de Frehley se destacou como o único que realmente capturava o espírito do rock. Sua versão de “New York Groove”, originalmente de Russ Ballard, sintetizava tudo o que o Kiss representava: um som urbano, sujo, irresistivelmente pop. Era o encontro entre o riff de garagem e o brilho da discoteca — a ponte entre o subúrbio e o estrelato.
Frehley — nascido Paul Daniel Frehley, no Bronx — era o anti-herói perfeito para essa mitologia. Cresceu como o garoto desajustado de um bairro de classe média, fascinado por guitarras e ficção científica. Aos 12 anos, já tocava; aos 21, era uma estrela. Mas o mesmo impulso que o levou à fama o empurrou para o abismo. Álcool, drogas e exaustão transformaram o Spaceman em um personagem trágico, um homem preso entre o mito e a realidade.
Seu livro de memórias, “No Regrets” (2011), descreve um músico dividido entre o prazer e o colapso, que “bebia até quase se afogar” — literalmente. Gene Simmons chegou a salvá-lo da morte em duas ocasiões. Não era apenas um caso de autodestruição; era o retrato de um artista que se dissolveu no personagem que criou.
A separação entre Frehley e o Kiss, no início dos anos 1980, foi mais do que uma ruptura profissional — foi o fim de um equilíbrio cósmico dentro da banda. Simmons e Stanley seguiram como empresários e curadores da marca; Frehley, por outro lado, sempre foi o rocker arquetípico, movido por instinto, energia e caos. Ele era a centelha que dava humanidade ao espetáculo.
Sua carreira solo, marcada por longos silêncios e retornos repentinos, encontrou um novo fôlego no século XXI. Depois de se tornar sóbrio em 2006, Frehley gravou seis álbuns em 15 anos — um feito notável para alguém que parecia ter se perdido no tempo. “Anomaly” (2009) foi um renascimento artístico, um disco que soava cru, livre e cheio de vitalidade. Já “Spaceman” (2018), no qual voltou a colaborar com Simmons, serviu como uma espécie de reconciliação simbólica com o passado.
O legado de Ace Frehley
O que torna Ace Frehley uma figura tão fascinante é que ele encarnou um tipo de rock que hoje parece impossível: o rock como performance total, como ficção científica, como fuga da realidade. Ele representava a ideia de que o palco era um outro planeta — e que a música podia ser a nave.
No fim das contas, o legado de Frehley não está apenas nos solos de guitarra, mas no gesto de transformar o excesso em arte. Seu som era pesado, mas cheio de imaginação; teatral, mas sincero. Ele lembrava que o rock sempre foi uma forma de sonhar alto, de acreditar que o impossível — voar, explodir, brilhar — poderia ser real por alguns minutos.
O Spaceman voltou ao cosmos, mas deixou uma constelação acesa: a de todos os guitarristas que ainda acreditam que um bom riff pode definir rumos.
Imagem Destacada: Divulgação/Ace Frehley (via Instagram / Fotografia: Elliot Gould)
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