A Vida e A Obra
No último domingo, 30 de abril, recebemos uma triste notícia. Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, conhecido simplesmente como Belchior, faleceu aos 70 anos. Nascido em Sobral – CE, no dia 26 de outubro de 1946, o filho da Sr. Dolores Gomes Fontenelle Fernandes e do Sr. Otávio Belchior Fernandes se tronou e deixou um legado indiscutível para a música popular.
Por influência do pai que tocava flauta e saxofone, e de sua mãe que cantava em coro de igreja, além dos tios poetas e boêmios, ainda criança Belchior começou a vida artística na infância, sendo cantador de feira e poeta repentista. Influenciado pelos cantores do rádio Ângela Maria, Cauby Peixoto e Nora Ney, ele se tornou programador de rádio em Sobral. Em 1962, mudou-se para Fortaleza, onde estudou Filosofia e Humanidades. Chegou a começar o curso de medicina, mas acabou desistindo em 71 para viver da vida artística.
Ele fez parte do “Pessoal do Ceará“, um grupo de músicos compositores que também fora formado por Fagner, Ednardo, Rodger Rogério e outros. Quando mudou-se para o Rio, venceu o IV Festival Universitário da MPB, com a canção “Na Hora do Almoço“. Cantada por Jorge Melo e Jorge Teles, essa foi a música que estreou como cantor em disco. Posteriormente, acabou mudando para São Paulo e trabalhava de maneira independente. Criava músicas para curta-metragens e às vezes trabalhava com o grupo do Ceará.
Em 73, ele também gravou as canções “Sorry, Baby” e “A Palo Seco” para outro compacto. Foi só em 74 que ele lançou seu primeiro álbum, “Mote e Glosa“. Porém, antes disso, em 72 Elis Regina gravou com Fagner a cação “Mucuripe“. Foi apenas em 76 que ele consolidou sua carreira com o álbum “Alucinação”. Considerado até hoje como o mais revolucionário da história e um dos mais importantes de todos os tempos para a MPB. Canções como “Velha Roupa Colorida“, “Como Nossos Pais“, regravadas por Elis Regina, e “Apenas Um Rapaz Latino-Americano” fazem parte da obra.
Em 79, em “Era Uma Vez Um Homem e Seu Tempo“, gravou “Comentário a Respeito de John“, em homenagem a John Lennon. A composição foi, mais tarde, gravada também pela cantora Bianca. Fundou sua própria produtora e gravadora, Paraíso Discos, em 83 e em 97 tornou-se sócio do selo Camerati. Entre os hits compostos por ele estão “Medo de Avião“, “Paralelas“, lançada por Vanusa,”Divino Maravilhoso“, em parceria com Gilberto Gil, imortalizada na voz de Gal Costa, e “Galos, Noites e Quintais”, regravada por Jair Rodrigues.
A vida pessoal de Belchior sempre foi reservada embora vez ou outra surgissem notícias sobre ele. Ele levava uma vida tão discreta que quase ninguém sabia que ele estava morando no sul do país. Esses sumiços da mídia se tornaram até motivos de humor e um bloco de carnaval foi criado esse ano, antes de sua morte, em Belo Horizonte, o “Volta, Belchior“. Ainda que não fizesse presença constante e sentíssemos sua falta, antes de deixar nossas selecionadas queremos falar sobre sua música. Uma vez que já falamos um pouco de sua história.
A tradução de várias gerações pela música
No segundo parágrafo dizemos que Belchior estudou Filosofia e Humanidades em Fortaleza. E no quarto, falamos que seu álbum “Alucinação” foi aclamado pela crítica. Bom, não só pela crítica, mas pelo público também. É desses dois pontos que seguimos nossa breve análise sobre sua filosofia geracional. Sim, embora pudesse ser considerado um cantor romântico e/ou brega, por sua aparência e melodias “fáceis”, antes de mais nada Belchior foi o filósofo e poeta que você não percebeu e ignorou.
“Alucinação” que completou 40 anos, no ano passado, foi lançado quando Belchior tinha 29 anos. O jornal “O Globo” disse “Belchior exprimiu a urgência do jovem brasileiro“. Sim, do jovem da época e das outras décadas que seguiram até o momento. Ele nem sempre soube quem era, mas sabia o que queria e com quem queria dialogar. Lançado mediamente na época da ditadura, assumir a postura de um cantor romântico e caricato o fez passar despercebido pela censura. Porém, suas músicas tinham um alto teor político.
Suas composições vão contra a Tropicália e a ideologia hippie dos anos 70. Para ele o mundo ideal era o aqui e o agora, onde teria que viver e sobreviver. Suas composições são retratos das mazelas pessoais e sociais. Ele não dialogava com a burguesia que comprava seus discos, mas com o trabalhador. Ele não estourou na rádio, mas cresceu dentro do que seria o submundo e viu que a melhor inspiração é o SER e não o PARECER. Fazia arte por amor à ela, mas sabia que ela também era seu ganha pão e dela queria viver.
“A minha alucinação
É suportar o dia-a-dia
E meu delírio
É a experiência
Com coisas reais.”
O dinheiro era uma metáfora entre a destruição e a necessidade, o amor era transcendental a casualidade, o poder era o erro da sociedade e a humildade era um dos maiores bens para alguém. Belchior, consegue traduzir nosso universo de maneira tão clara e simples, que nem mesmo a própria filosofia e a sociologia conseguiu perceber. Afinal, para ser levado à sério você precisa fazer uma tese, publica-la e esperar que algum ilustre o reconheça. Mas ele foi além e deixou um legado musical e de tamanha crítica que hoje ele e suas composições poéticas e filosóficas deveriam ser uma tese.
Aos 70 anos, na cidade de Santa Cruz do Sul-RS, Belchior nos deixou, antes de terminar sua tradução da obra Dante e um possível álbum de inéditas. O Governador do Ceará, Camilo Santana, decretou luto oficial de três dias, providenciando o traslado do corpo, garantindo assim, o desejo do cantor de ser enterrado no Estado do Ceará, sendo velado em Sobral, sua cidade natal, e sepultado em Fortaleza. E hoje, quase completando 7 dias desde que ele nos deixou, nosso MixTape em tributo segue abaixo.
“Belchior, a voz que não se calou e nem irá.” – Paulo Olivera
Até o próximo MixTape.
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