Bugonia revela o lado mais insano da América
Yorgos Lanthimos tornou-se uma figura reconhecida mundialmente após o êxito crítico de “Dente Canino”, lançado em 2009. Trata-se de uma que flerta com a genialidade, embora permaneça estranha até seu último fotograma. Desde então, o cineasta grego conquistou Hollywood e passou a realizar praticamente um longa-metragem por ano — todos, à semelhança de sua estreia, marcados por uma estranheza peculiar. Quase toda sua filmografia em inglês se destaca acima da média, e seu mais recente trabalho, “Bugonia”, não foge à regra. O filme traz novamente Emma Stone como protagonista, consolidando seu status como musa de Lanthimos.

Na trama, dois rednecks típicos de uma cidade interiorana dos Estados Unidos sequestram a CEO Michelle (Stone), acreditando que ela seja a soberana de uma raça alienígena infiltrada na Terra com o propósito de subjugar a humanidade. Os sequestradores, interpretados por Aidan Delbis e Jesse Plemons — este último também recorrente nas últimas produções de Lanthimos — conduzem uma “investigação minuciosa” sobre os invasores, concluindo que a única maneira de erradicá-los seria por meio da líder, capaz de ordenar o retorno da nave-mãe, disfarçada em órbita, ao seu planeta de origem, desfazendo assim a influência maligna extraterrestre.
Esses personagens são utilizados pelo roteiro de Will Tracy e Jang Joon-hwan para despejar na tela uma enxurrada de delírios conspiratórios. Evidencia-se que os pobres roteiristas se viram obrigados a vasculhar os recantos mais obscuros da internet — fóruns e redes sociais — em busca das teorias mais insanas que pudessem encontrar. Uma tarefa que, nos Estados Unidos, não deve ser particularmente difícil, mas certamente capaz de provocar desespero em qualquer indivíduo minimamente sensato. O esforço de consumir conteúdos impregnados de racismo, xenofobia e preconceitos diversos, envolvendo alienígenas e conspirações governamentais, ao menos contribuiu para a construção de dois personagens patologicamente criminosos, que funcionam como reflexo de uma nação — e de um mundo — igualmente enfermo.
A esse panorama se soma o primoroso trabalho de direção de arte e fotografia, que transforma a residência dos sequestradores em um espaço esteticamente apartado do restante da cidade. Basta observar o contraste entre as ruas impecáveis e a mansão moderna da CEO com a sujeira, o gramado desordenado e a fachada decadente da casa dos antagonistas. A escuridão opressiva dos ambientes internos não apenas externaliza a perturbação psicológica dos personagens, como também evoca um antro onde se ocultam as almas mais atormentadas da América de Trump, Elon Musk e Charlie Kirk.
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Em meio a toda esse antro de malucos, ainda há em “Bugonia” o humor, e este está empregnado em sua estrutura — um humor sombrio, que provoca risos diante dos absurdos e da violência estilizada, especialmente no clímax. Esse riso nervoso, porém genuíno, é parte essencial da experiência com os filmes de Lanthimos; sem ele, a gravidade das situações poderia tornar a obra excessivamente sombria, afastando espectadores mais sensíveis.
Além disso, há o magnetismo dos personagens, mesmo quando são psicopatas conspiracionistas ou executivos ultracapitalistas que exploram seus subordinados. O último é o caso de Michelle, que, com um sorriso sereno, exige desempenho máximo tanto da assistente quanto do segurança da portaria de sua empresa. Emma Stone brilha nesse papel, sobretudo porque seus olhos grandes e esverdeados lhe conferem a aura da alienígena mais elegante e perversa do cinema. Outro quase extraterrestre é Plemons, que encarna um personagem de olhar vidrado — resultado, talvez, de alguma enfermidade ou do uso de substâncias alucinógenas.
Assim, com figuras que transitam entre o delírio e a realidade, Yorgos Lanthimos acerta novamente ao retratar o mundo contemporâneo — em especial os Estados Unidos, transformados por Donald Trump em uma distopia povoada por zumbis, criminosos e desvalidos. O curioso é que, tradicionalmente, distopias servem para denunciar disfunções do mundo real. Neste caso, o cinema reflete uma distopia concreta por meio da ficção.
“Bugonia” foi visto durante a 49ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Vídeo: Divulgação/Universal Pictures Brasil

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