O cinema francês é conhecido por fugir de padrões, já que é de lá que surgiram escolas como a Nouvelle Vague, que formou cineastas do porte de Jean-Luc Godard. A Nouvelle Vague tinha como proposta um cinema puro, sem as amarras da literatura; os filmes eram recortes sobre personagens comuns, que dialogavam sobre a existência em seus apartamentos burgueses. Posteriormente, o próprio Godard abandonou esse tipo de cinema e partiu para um estilo mais experimental. Seus filmes atuais parecem espécies de vídeos arte, que usam a capacidade sensorial dos espectadores para expor suas mensagens.
Este “Apesar da Noite” meio que une momentos de Nouvelle Vague, com o novo cinema de Godard. A história é sobre um amor melancólico, que começa quando o jovem Lens retorna à Paris para tentar encontrar seu verdadeiro amor, Madeleine. Em sua busca, ele é absorvido pelo submundo escuro e cruel da cidade. A direção transforma o filme em uma obra abstrata, com a mistura de diálogos e situações comuns e momentos que parecem tirados de pesadelos. Todos buscam no sexo ou na violência cobrir o buraco de um passado trágico. A vida já não se sustenta, passa a ser um fardo para aquelas pessoas. Amores não correspondidos também são motivos para vingança.
Há constantes fade outs que representam o fechar de cortinas, como a transição entre uma cena e outra no teatro, o que complementa as atuações e situações claramente teatrais. Os personagens recitam os diálogos como se fossem um poema filmado, no entanto, apesar de toda a intenção do roteiro em mostrar emoção, o filme é vazio em sua essência.
A Câmera do diretor Philippe Grandrieux está sempre junta aos atores, trazendo a sensação de intimidade mas também de intimidação, como se algum daqueles seres estivessem prestes a atacar o espectador. Em alguns momentos, a iluminação estourada transformam os amantes centrais da trama Lenz e Hélène em seres angelicais jogados no mundo animal dos humanos. O diretor tenta chocar com cenas de sexo e violência explícita, talvez usando como referência Gaspar Noé, mas acaba por executar apenas imitações e não algo impactante de verdade.
O destaque do filme é o seu elenco, principalmente a maravilhosa atriz grega Ariane Labed (O Lagosta). A sua Hélène é puro sofrimento, com suas expressões marcantes, indo da dor ao prazer em momentos de sodomia e escravidão com seus inúmeros parceiros sexuais. Já Kristian Marr traz um Lenz que age como um homem apaixonado, mas se mostra confuso em seus sentimentos ao se relacionar com outras mulheres. A busca de Lenz por uma representação da mãe já falecida é evidenciado por flashbacks ou mesmo por fotos inseridas em algumas cenas. O roteiro faz um paralelo entre o amor que Lenz sente por Hélène com o sentimento maternal que lhe faz falta, assim como a busca de Hélène por um substituto para seu filho também morto em um passado próximo, deixando no ar uma ideia clara de incesto. A perversidade é extrapolada do meio ao final do longa, com uma sequencia sanguinária nos últimos minutos.
Delongando-se por mais de duas horas e meia, “Apesar da Noite” talvez fosse melhor se durasse menos, pois, da maneira como foi montado, passa aquela sensação de enfado que todos os filmes tentam não demonstrar. Voltado para cinéfilos, com certeza não agradará o público em geral.
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