Ben é o pai de seis crianças pequenas, que decide fugir da civilização e criar os filhos nas florestas selvagens do Pacífico Norte. Ele passa os seus dias dando lições às crianças, ensinando-os a praticar esportes e a combater inimigos. Um dia, no entanto, Ben é forçado a deixar o local e retornar à vida na cidade. Começa o aprendizado do pai, que deve se acostumar à vida moderna.
Em determinado momento do filme, a família de Ben está jantando com outra tradicional, e presenciamos os pais dessa outra família reprimir Ben por falar a palava “Vadia” na frente de crianças, porém, logo na cena posterior vemos essas crianças jogando um game violento no Xbox. Automaticamente fazendo-nos questionar sobre qual a real preocupação com nossas crianças; seria privar elas de palavras comumente usadas no dia a dia, ou nos preocupar com o real problema de um sistema que vende a violência como meio de entretenimento? Capitão Fantástico traz várias dessas discussões em sua trama, o que faz dele um dos longas mais provocativos do ano.
Cinematograficamente o filme é encantador. O diretor Matt Ross ostenta toda a natureza ao redor da família, rodando várias sequencias em um plano aberto mostando-nos a vastidão e beleza da floresta. Sendo reforçada pelo fantástico trabalho de figurino que emprega cores quentes na roupa de seus personagens, dando um contraste perfeito a todo o ambiente que está ao redor, seja a floresta ou a cidade grande.
O trabalho de câmera também é bem feito. Note a câmera se aproximando do personagem de Ben quando o mesmo recebe uma ligação, nos preparando para alguma notícia ruim, ou mesmo quando a câmera começa a ficar instável a medida em que as personagens deslocam-se de seu lar até a cidade onde precisam ir, reforçando o certo medo do convívio social até então privativo.
Já a trama é extremamente provocativa e encantadora. Numa relação óbvia com Pequena Miss Sunshine, o filme nos conta essa história de família de um ponto de vista social. Porém, Capitão Fantástico tem suas próprias pernas para caminhar sozinho, sem precisar ficar pegando muitos elementos emprestados. A relação familiar é montada nos dois primeiros atos do longa. Temos várias cenas de Ben e seus seis filhos caçando animais para se alimentar, lendo livros, e cantando. A medida em que tudo se desenvolve começamos a notar que seus seis filhos nada mais são do que meros reflexos da personalidade de Ben.
O que nos leva a um ponto extremamente interessante, qual o certo afinal: Privar seus filhos dos hábitos consumistas da sociedade capitalista, ou deixar as crianças experimentarem esse mundo de coisas que estão a seu alcance, mesmo grande parte delas sendo de qualidade questionável? O longa, por sua vez, não nos dá uma resposta definitiva, e muito menos faz pregações piegas e doutrinadoras. Ele nos entrega momentos reflexivos para tirarmos nossas próprias conclusões, como na cena em que Ben conta para a sua filha mais nova, de oito anos, a verdade sobre estupro e relação sexual, e em algumas cenas depois mente dizendo que Coca-Cola é água envenenada. Nos mostrando que ele, apesar de se opor ao sistema, vive em uma própria bolha de auto-defesa, se tornando exatamente aquilo que detesta: Um opressor. Porém, em outra cena vemos Ben incentivando a filha a ser crítica do livro que está lendo, inclusive reprimindo a palavra “Interessante” usada por pessoas que não sabem exatamente o que estão lendo, e o que aquilo está dizendo, uma forma muito mais interessante de criar um hábito na criança, do que simplesmente dar a ela um objeto eletrônico para ficarem com dor de cabeça de tanto olhar para a tela da televisão. Afinal, seria Ben um homem com ideais certos ou errados? Talvez, ele seja apenas um homem querendo ser bom.
Já as atuações estão boas. Por mais que a maioria das crianças não tenham tanto destaque, elas se saem bem principalmente pelo excelente roteiro que consegue criar boas tiradas com seus diálogos. Os destaques ficam por conta de dois atores: Viggo Mortensen que interpreta o Ben, e o Frank Langella que faz o avô das crianças. Frank tem um papel difícil em mãos, ele precisa se apresentar como um vilão, e ao mesmo tempo demonstrar seu ponto de vista. Ele consegue criar essas duas facetas com elementos diferenciados, sua postura corporal é imponente perante a Ben, porém, seu olhar acalorado pelos seus netos mostra uma preocupação e amor genuíno. Viggo tem uma atuação extremamente introspectiva, sua contribuição para com o personagem estão em seus pequenos gestos. O olhar fraterno perante as crianças, as pequenas respiradas antes de falar algo doloroso, e sua naturalidade para comentar sobre assuntos polêmicos fazem de Ben um adorável personagem complexo.
Contudo, é até triste constatar que apesar de todas essas coisas boas, o terceiro ato do filme apresente problemas tão intensivos. Em certo momento de Capitão Fantástico acontece um acidente com uma das personagens, e o artifício que o roteiro usa para fazer um dos personagens mudar seus pensamentos é quebrando uma regra médica básica, afinal, nenhum médico ou enfermeiro vai chegar para alguém e falar “Olha, sorte sua que essa pessoa está viva. Mais um pouco pra esse lado e ela teria morrido”. Outro ponto insatisfatório é o abandono do “vilão” no meio do terceiro ato, sem encerrar um arco dramático consistente. Além de o longa quebrar sua própria regra, pois, uma das personagens que se opõe ao sistema capitalista tem como sua música favorita uma do Gun’s and Roses, uma banda extremamente massificada. Mas são falhas que não estragam o conteúdo final.
Por fim, Capitão Fantástico é um dos filmes mais provocativos de dois mil e dezesseis, nos entrega momentos reflexivos, apaixonantes e melancólicos. E por mais que seja extremamente politizado e nos traga questões sociais como uma mensagem de fundo, seu esqueleto nada mais é do que um adorável filme sobre paternidade e perda. No qual vai fazer muitos pais chorarem.
Por Will Bongiolo
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