“Fala Comigo”, filme de estreia do diretor Pedro Sholl, tem recebido comparações da crítica que vão desde Almodóvar a Todd Solondz. A referência ao segundo, diretor de “Felicidade”, se dá primeiramente na apresentação de pessoas com hábitos peculiares e até grotescos. Fazendo uma análise mais profunda, porém, é possível notar outro ponto em comum: o distanciamento do público com os personagens, que, embora extremamente críveis e humanos, não são capazes de despertar uma empatia genuína. Esse detalhe, que em muitos casos prejudica o resultado final, é o que dá força ao filme de Sholl.
Na trama, o adolescente Diogo tem o fetiche de telefonar para as pacientes da mãe, psicóloga, e se masturbar durante as ligações. Um dia, uma das mulheres o procura de volta. E começa o relacionamento entre o garoto e Ângela, uma musicista frustrada, recém- divorciada, de 43 anos.
É interessante como um filme que faz tanto uso de closes mantenha o público tão afastado de seus personagens. Embora os apresente sem pudores, ao final do longa, fica a sensação de que de fato não conhecemos aquelas figuras. Diogo, Ângela, a família do rapaz, seus colegas de escola, poderiam ser nossos vizinhos. Nos lembram qualquer pessoa, mas nenhuma em especial.
Em momento algum Sholl tenta redimir as escolhas feitas na tela – sejam dos amantes protagonistas, ou dos pais dos meninos. O envolvimento de Diogo e Ângela não é justificado ou baseado em qualquer tipo de crença – no amor, na liberdade – como em outras produções. Não é exigido do público aceitar e se envolver com o relacionamento do casal. Ele apenas discorre no filme do mesmo modo que todos os outros acontecimentos. como a hipocondria da irmã caçula, uma breve experiência homossexual, ou a discussão entre os pais. É a vida que segue seu fluxo.
Enquanto o romance se desenvolve, os pais de Diogo vivem a crise conjugal e seu melhor amigo não é honesto com a namorada. Em um mundo onde o silêncio preenche grande parte das lacunas na comunicação entre as pessoas, é natural que o casal de protagonistas se entregue um ao outro de forma tão plena. Afinal, o que existe para ser discutido, racionalizado? Se Ângela e Diogo realmente se amam e vão ficar juntos, pouco importa. O que fica, quando as luzes se acendem, é um mosaico de relações estabelecidas no silêncio e na distância. O título não poderia ser mais adequado. Sem cair num lugar comum, recorrendo a uma crítica pastiche da “modernidade líquida”, e sem uma obrigação moral de prender o público pela empatia e pela proximidade, Sholl cria uma obra que nos cativa pelo tom de realidade que é mostrado.
O elenco é encabeçado por Denise Fraga, que interpreta Clarice, mãe de Diogo e psicóloga de Ângela. O papel lembra o que representou no longa “As Melhoras Coisas do Mundo”, mas sem o mesmo otimismo. Seu desempenho contido e eficiente se repete no restante do elenco, com exceção de Pedro Karabachian (Diogo), que transparece um pouco de inexperiência durante o filme. Vista recentemente em “Que Horas Ela Volta?”, de Anna Muylaert, Karina Teles é a que mais se encaixa na proposta do longa, trazendo uma Ângela que provoca as mais diferentes reações, da reprovação a pena, nos remetendo aos personagens de Solondz. A sequência em que discute com Clarice é a melhor do filme, com um desempenho louvável de ambas as atrizes. De certo modo, talvez essa seja a que melhor sintetiza o longa: vemos duas mulheres incapazes de se compreender, apoiadas apenas na própria perspectiva.
“Fala Comigo” não se propõe a verdades absolutas. Pode não ser memorável, mas tem uma identidade madura e voz própria que o destacam da média.
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