Esqueça aquela história do escritor sem criatividade para seu próximo best-seller, “El Ciudadano Ilustre” é muito maior do que isso
Os diversos festivais de cinema ao redor do mundo além de premiar cada produção de acordo com a sua devida qualidade cinematográfica, nos dão a oportunidade de conhecer novos filmes, atores e diretores. “O Cidadão Ilustre” consegue juntar todos estes novos interesses, mas obviamente erguidos por uma excelente história e todos os seus conflitos. Sendo uma produção entre Espanha e Argentina, este foi o filme escolhido para representar o país sul americano no último Oscar, mas só por agora chegou ao circuito nacional.
Após ganhar o prêmio Nobel de Literatura, Daniel Mantovani (Oscar Martinez) passa por um hiato de cinco anos apenas colhendo os frutos por sua nomeação. Ao mesmo tempo que mora em uma mansão em Barcelona, Mantovani é um homem restrito ao contato social, seja ele qual for, embora consiga demonstrar-se um homem naturalmente habituado a lidar com o público.
Após receber uma carta remetente de sua cidade natal Salas, no interior da Argentina, na qual ele não visitava a cerca de 40 anos por algum motivo, que provavelmente ele próprio demora a entender, resolve voltar para passar 4 dias e receber diversas homenagens por lá. Porém, esta volta será uma experiência inusitada em todos os sentidos possíveis. Uma cidade minúscula e que do dia para a noite torna-se visível no mapa, devido ao sucesso de um único homem, sem voltar para lá durante décadas, e é claro que isso não será do agrado de todos.
Um enredo que aparenta uma certa simplicidade ao primeiro olhar, mas que gradativamente vamos nos acostumando com a personalidade de Daniel, as intenções dos moradores da cidade e as possíveis consequências que essas relações podem vir a ter. Além daquele clássico drama do escritor que necessita de um fato específico ou traumático para aguçar a criatividade para um novo livro, a história contada pela dupla de diretores argentinos Mariano Cohn e Gastón Duprat, ultrapassa este, até então limite comum e aceitável, para criar uma trama envolvendo um escritor carente de sentimentos para escrever.
Não é fácil encontrarmos obras em que tanto o roteiro, quanto a direção se apoiam muito uma na outra, e quando isso acontece devemos agradecer por estar assistindo um filme em que ótimos atores são naturalmente envoltos pelo ambiente em que coexistem. Quando é possível entender visualmente que tal personagem faz parte daquele lugar, quando durante aqueles 120 minutos de projeção acreditamos no que estamos assistindo. E por coincidência, estes tipos de trabalho são reconhecidos quando na junção da equipe técnica existe uma coerência reflexiva sobre o que deseja ser contado, e uma dupla de diretores ou quando o diretor também é o roteirista a chance de assistirmos algo bom, é grande.
E o que chama também a atenção tanto quanto o roteiro que consegue ser original em cima de uma premissa tão usada no cinema, a fotografia novamente é feita pela dupla Cohn e Duprat. E não para por aí, com uma marca pouco vista em produções que alcançam uma certa visibilidade em premiações internacionais, a constância do uso da câmera na mão como estilo definido durante todo o filme sempre denota um certo “desinteresse” sobre as técnicas audiovisuais, mas dentro do que é “O Cidadão Ilustre”, esta opção de cinematografia transforma aquela realidade mais imersiva do que já estava sendo, lembrando muitas vezes imagens filmadas para documentários.
“O Cidadão Ilustre” é um pouco de tudo, consegue juntar reflexões sobre o que é a literatura e cultura, as intrigas sociais e políticas de uma cidade pequena, a simplicidade de tudo que compõe aquele cenário, e isso baseado no drama pessoal de Mantovani ao voltar para sua cidade natal. Após todas estas voltas e não necessariamente de reviravoltas também, a construção de um filme dramático com um fundo cômico, a narrativa nos leva para um caminho incomum a cada obstáculo ultrapassado pelo personagem principal.
Com um resultado capaz de deixar qualquer um inquieto sobre novas informações para compôr o entendimento final sobre a trama, ela acontece e não estraga a experiência geral. Obras com este grau de dedicação e percepção sobre todas as camadas de uma história fixada na atuação dos personagens nos deixam carentes por muito mais.
Por Guilherme Santos
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