Esta adaptação da obra de Marques de Sade traz para os nossos tempos a educação sexual de Eugeni (Bel Friosi), por Dolmancé (Henrique Mello) e Juliette (Stephane Sousa). Podemos ver isto nos celulares, automóveis e outros aparatos tecnológicos. Entretanto, existe um ar antigo que permeia o filme principalmente no figurino, que traz as perucas e maquiagem facial brancas aliadas a trajes típicos da realeza.
Somando ao figurino, há também uma bela trilha sonora que evoca as composições dos antigos bailes reais, causando um contraste intrigante entre o visto e o ouvido. Aliando isto ao diálogo rígido, digno de duques e duquesas que escolhem cada palavra com o maior cuidado e polidez, muitas vezes esquecemos estar diante de uma obra que retrata nosso século.
A primeira cena já nos mostra o compromisso assumido pelo filme de não nos esconder nada. Nem os corpos dos atores, nem as críticas proclamadas contra o conservadorismo e, principalmente, a religião. Enquanto somos levados para passear pela fábrica onde a história se passa, encontramos os atores se masturbando em meio ao maquinário, nos levando a pensar nos corpos nus como máquinas movidas pelo prazer.
O filme chocará facilmente qualquer um que tenha problemas com nudez, sexo ou estupro. Inclusive, por retratar nosso século, a educação sexual de uma mulher a partir do estupro tem que ser questionada e pareceu mais um desejo sádico de Dolmancé à educação propriamente dita. Ao mesmo tempo que eles buscam inserir a obra nos dias de hoje utilizando celulares, por exemplo, parecem esquecer de trazer para o século XXI questões tão importantes como esta, onde uma educação sexual da personagem seria de mão dupla. Eugeni, ao final, parece mais quebrada, bestializada, do que mais experiente ou educada.
Uma personagem, um escravo sexual (Hugo Godinho) em total estado de submissão, também causa um certo espanto. Entretanto, apesar de estar em muitas cenas amarrado e, quando desamarrado, ter uma única corrente em seu pulso que não está presa em lugar algum, somos levados a nos perguntar quão escravo ele realmente é ou o quanto ele está ali por vontade própria, levando sua presença a ser aceitável, se não compreensível levando em consideração o contexto geral do filme.
Enquanto alguns personagens, como André (Felipe Moretti), foram quase esquecidos no decorrer do longa, encontramos uma evolução, ou distorção, rápida em excesso em Eugenie. Em questões de horas, a inocente garota do começo do filme é capaz de atos que certamente seriam impensáveis antes. Apesar destes pormenores do roteiro, houve uma boa atuação por parte de todos os atores. Algo que acaba sendo um contra quando levamos em consideração o estupro e alguns gritos por socorro.
A câmera foi utilizada bem próxima aos atores e acontecimentos, levando-nos a crer que fazemos parte do grupo de pessoas naquela sala. Temos ângulos dignos de filmes adultos onde a personagem principal acaba se tornando a masturbação, mas é algo compreensível e que não parece forçado ao considerarmos o conjunto da obra. O incômodo maior foi, novamente, na cena do estupro em que acabamos por nos sentir cúmplices dos estupradores ao encarar a vítima em uma ótima atuação.
Por fim, o filme agrada a quem para ele estiver preparado. “Os Satyros” nos oferece uma produção que está longe de ser preguiçosa e monólogos interessantes sobre a visão dos libertinos a respeito da sociedade, religião, conservadorismo e sexo. Apesar de o roteiro deixar a desejar em alguns momentos, seja por maior complexidade ou por menor abuso, os personagens convencem e nos conduzem para diferentes visões do livre-arbítrio e da influência de outros em nossa vida. Só que é uma visão negativa, sem espaço para diálogos e, infelizmente, as vezes as personagens nos convencem demais.
Por Pedro Soler
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