Um capitão, o supremo detentor do comando de sua embarcação, acaba perdendo o controle de sua própria existência. Agora ele é como um fantoche que se submete às vontades de uma mestra. Este é um breve vislumbre de “A História da Minha Mulher”, na qual o referido capitão chamado Jakob (Gijs Naber) é manipulado por Lizzy (Léa Seydoux), a mulher que ele conheceu fortuitamente em um estabelecimento e com a qual se une em matrimônio. Ela, por sua vez, parece ser uma espécie de vigarista especializada em ludibriar homens solitários. Jakob é o alvo perfeito, pois não é inclinado à sociabilidade nem mesmo com sua tripulação, além de estar solteiro há muito tempo.
A solidão do homem é habilmente retratada pela direção de Ildikó Enyedi, que posiciona as escotilhas redondas da embarcação entre a câmera e o personagem. As lentes, por vezes, assumem um caráter subjetivo, como se ele contemplasse, de dentro de sua isolada cabine, a lúgubre imensidão do mar. Pode-se ainda interpretar tais cenas como uma maneira de aprisioná-lo dentro de si mesmo. Vale destacar também a escuridão que o envolve em momentos em que é até difícil identificá-lo. Torna-se um homem metaforicamente amalgamado à embarcação, pois fica difícil distinguir o que é metal e o que é corpo devido à ausência de contornos causada pela baixa iluminação.
A situação do capitão muda quando ele começa a passar mais tempo em terra do que no mar após conhecer Lizzy e se casar com ela. Nesse início, os planos passam a ser mais iluminados, mas a partir do segundo ato, a escuridão começa a ameaçá-lo novamente. A diferença agora é que não é a solidão que o assola, mas sim a sua própria esposa, que possui uma personalidade ambígua e sai constantemente com outros homens para festas e bares. Há dois pontos interessantes na personagem de Seydoux: primeiramente, nunca ela é mostrada traindo seu esposo, tudo fica no campo da sugestão. Segundo, a atuação da atriz é perfeita para o papel, já que ela utiliza seu já conhecido ar blasé na construção.
Lizzy é quem dita as regras no relacionamento durante boa parte da projeção. A dominação dela, no entanto, fica evidente a partir da bela composição que Enyedi entrega durante uma cena de intimidade: a câmera, como mera espectadora, filma de longe o leito do casal. Nele, o capitão (como era de se esperar) encontra-se deitado na escuridão. Há apenas a luz proveniente do banheiro, onde Lizzy toma banho, iluminando o cenário. Banhada por essa luz, ela adentra a cena completamente nua, senta-se ao lado de seu esposo/vítima, fuma um cigarro e depois o resgata das trevas para aproximá-lo de si. Beija-o e depois o lança novamente para a cama, a fim de ficar por cima durante o ato, deixando-o totalmente entregue ao prazer e ao perigo.
“A História da Minha Mulher”, portanto, tem como objetivo discutir a fragilidade dos relacionamentos amorosos, principalmente quando o amor de uma das partes não é inteiramente sincero. No final das contas, o filme obtém um bom resultado em sua proposta, mesmo que tenha uma duração mais extensa do que o necessário. A história parece estar prestes a terminar pelo menos três vezes para, em seguida, retornar com novas situações. É verdade que isso pode ter o objetivo de romper expectativas e demonstrar as indefinições do relacionamento do casal protagonista, mas não deixa de ser desafiador para o espectador, que se depara com quase três horas de vicissitudes sentimentais humanas.
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