Poucas tarefas poderiam ser mais complexas que entender a identidade nacional brasileira, ou ao menos saber qual ela seria, afinal. São muitos os trabalhos acadêmicos, das mais diversas áreas, que pretendem elaborar teses acerca do tema, e também são numerosas as obras de arte dentro do assunto. Por consequência, é de fina ironia que estejamos longe de atingir tal concepção com plenitude, o que só colabora para dimensionarmos a densidade dessa discussão. Como exemplo, se o tema do antropofagismo e a relação do Brasil com o estrangeiro nos remete a Semana de Arte Moderna de 1922, não seria possível afirmar que é um debate ultrapassado. “Além do Homem” estreia, em 2018, querendo ser mais um filme que se insere nessa problemática, com suas próprias características e posicionamentos.
Dessa forma, é inegável que se trata de uma produção com fortes ambições. Ainda que ela não se proponha a revolucionar o pensamento social brasileiro, e nem ao menos parece tentar fazer coisa parecida, as chances de que o longa acabasse se perdendo ou que o produto final saísse com pouca qualidade eram grandes. De fato, ainda que não seja um desastre completo, “Além do Homem” possui sérios problemas e carrega um número reduzido de qualidades. O problema primordial dessa questão é, provavelmente, ele não saber o que quer ser enquanto obra coesa de arte que deveria. Não sabemos se é um conto, uma fábula, uma comédia ou até um mistério em muitos pontos da projeção. A princípio, isso pode ser contornado se houver talento e meticulosidade por parte dos realizadores, coisa que não é vista por aqui. O tom sempre parece incongruente e o público fica sem saber muito para onde a trama anda, e mais complicado que isso, como ela se desenrola. Ser imprevisível não é demérito, e sim ser confuso, com falta de coerência.
Confuso é um adjetivo que define bem o que acontece no decorrer da obra. Na jornada do protagonista, brasileiro que mora na França e que volta ao Brasil por curto período, aparecem inúmeros personagens secundários. Alguns não tem função narrativa alguma e parecem simplesmente jogados em tela, tanto que somem de forma tão repentina quanto aparecem. Isso sem mencionar o modo com o qual são carregados de esteriótipos, sem qualquer tentativa de subversão deles ou de camadas mais profundas que as aparentes. Fica difícil entender qual é sua relação com o protagonista e qual a relevância dessas interações para a trama.
Ainda assim, o filme é esteticamente bastante bonito. Tanto os ambientes cenográficos quanto as locações são bem escolhidas e repletas de beleza, seja pela exuberância da natureza ou pelos pequenos detalhes que mostram. Tornam-se ainda mais repletos de elegância dada a fotografia que imprime muito frequentemente cores quentes para as cenas que logo atraem os olhos da audiência. Tons mais pastéis e marrons também podem ser vistos e são de igual beleza. Se falta conteúdo, ao menos a parte visual se destaca com vigor.
Pretensioso, porém vazio, “Além do Homem” não acrescente em muito e nem se destaca perante os ótimos lançamentos nacionais que vemos no cinema em 2018. É verdade que temos um grande espetáculo visual, mas não parece compensatório quando se pensa nos outros elementos que a obra exibe ou tenta elaborar através do fraco roteiro. Talvez algo mais calcado na realidade, com menos metáforas e alegorias confusas fosse mais bem-vindo, optando pelo minimalismo. Nesse caso teríamos, quem sabe, um filme mais fechado e convidativo.
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