“O que é fidelidade?” pergunta um dos protagonistas do novo longa de Philippe Garrel, antes de entrar em uma discussão sobre os significados da palavra. Parece que foi essa a questão que o cineasta francês decidiu responder em seus últimos filmes: uma trilogia que é conectada não por uma linha narrativa, mas por uma temática e um estilo singular. Filmada em preto e branco e sempre com 75 minutos de duração, a sequência foi iniciada por “O Ciúme” (2013), seguida com “Às Sombras Das Mulheres” (2015) e encerrada com “Amante Por Um Dia”, um final justo que exemplifica muito bem o trabalho do diretor.
A trama segue Jeanne (Esther Garrel), uma mulher que, após terminar um relacionamento de longa data com Matéo (Paul Toucang), volta para o apartamento do pai, o professor de filosofia Gilles (Éric Caravaca), que esta morando com sua namorada e aluna Ariane (Louise Chevillotte). O filme foca tanto no relacionamento entre essas três figuras que vivem juntas, como em seus conflitos pessoais, e usa bem desse cenário para discutir sobre amor e traição.
Com uma premissa dessas, não é de surpreender que a força do longa esteja em seus personagens, que, ironicamente, considerando a fotografia, não são vistos em “preto e branco”, ou seja, são multifacetados o suficiente e realizam ações boas e ruins, mas sem perder o carinho do telespectador. Desse modo, atos como uma traição ou um término ruim não são vistos de um maneira simplificada de “quem errou” e “quem fez o certo”, mas sim como as situações complexas que são na realidade.
Essa naturalidade é bem representada pelo elenco. De longe, quem mais chama a atenção é Esther Garrel, a filha do diretor, que compõe uma personalidade ótima para Jeanne em meio a surtos de depressão e histeria, mas o restante dos atores também não deixa a desejar, e é surpreendente como grande parte deles não tem uma experiência prévia de atuação, deixando “Amante Por Um Dia” muito próximo a um filme mumblecore.
Na direção, Phillipe Garrel tenta se abstrair o máximo possível de cada cena, portanto, a câmera só se move quando necessário, preferindo apenas observar, estática. O mesmo acontece com a montagem, que apresenta bastante cortes, mas não tanto quanto um drama comum teria. Um bom exemplo disso são as cenas de diálogos, que ao invés de usar o clássico “plano, contra-plano”, preferem enquadrar os dois personagens durante toda a cena, ou se prolongar no close-up de apenas um deles, realçando não só como interpreta suas falas, mas com reage ao que o outro diz.
O estilo dessa trilogia de Garrel, porém, fica evidente na duração do longa, que parece ter apenas 75 minutos porque os dois anteriores também tinham esse tamanho. Por causa disso, a história tem um final um tanto quanto abrupto e parece ser meio corrida em certos momentos, principalmente quando entra a narradora, que é um dos pontos mais problemáticos da produção.
Enquanto o roteiro acerta em suas cenas de diálogos que desenvolvem não só o relacionamento amoroso do casal principal, mas também a relação entre os membros da família, ele peca em colocar uma narração que só serve ou para contar pontos importantes da trama ao invés de mostrá-los ou para falar o óbvio – a audiência não precisa de uma voz do além dizendo que a protagonista em prantos está triste por causa de um término recente quando isso já é bem implícito (ou até mesmo explicito) na cena -.
Outro ponto fraco do roteiro é a sua similaridade com os trabalhos anteriores do diretor, e ele se torna um pouco previsível para quem já assistiu aos outros filmes da trilogia. Em certo ponto até parece que algo novo será acrescentado à trama, que é a compreensão de Gilles sobre o ato de “trair”, mas isso acaba não se mostrando relevante.
Meio mumblecore e meio novelle vague “Amante Por Um Dia” é um exemplo ótimo do estilo singular de Garrel. A produção até pode apresentar alguns defeitos, mas é uma conclusão mais do que digna para a trilogia do diretor francês.
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