Um suspense que se constrói muito lentamente, fazendo o público roer as unhas por longas duas horas
O nosso cotidiano está cercado de guerras silenciosas. Pequenas disputas que tomam como cenário os mais comuns espaços: no trânsito, na fila de mercado, em bares e na porta de nossa casa. E, claro, essa afirmação não surpreende ninguém, afinal somos indivíduos com objetivos, e vez ou outra eles vão de encontro com o de outras pessoas.
Mas e quando a “pequena” disputa toma novas proporções? Estamos de frente a um desconhecido, a conversa pra resolver a situação se torna uma discussão, e a discussão se torna uma briga. Os dois sabem que nenhum lado irá abrir mão de suas recompensas. Quando percebemos, o estranho se torna um obstáculo, um inimigo. E quando é tarde demais, percebemos que nos tornamos irracionais, incapazes de utilizarmos do mais valioso traço universal de humanidade, a empatia. Em “As Bestas”, somos introduzidos a um conto de micro-disputas, que tomam proporções sociais, econômicas, políticas, regionais, linguísticas e ecológicas. Ou seja, estamos diante de uma tragédia anunciada.
No filme, somos introduzidos a um casal francês de meia-idade, recém aposentados de suas profissões de grande prestígio. Os dois se mudam para um vilarejo espanhol em meio a um vale. Lá, eles se estabelecem e dão início a uma pequena fazenda. Eles se adaptam a vida no campo, é o que sonharam para sua velhice. Entretanto, uma empresa de energia elétrica apresenta ao vilarejo a proposta de comprar o terreno e fundar ali uma fazenda de energia eólica. Os dois, tendo voto e voz na disputa comercial, são contra a venda, e isso pode irritar alguns vizinhos.
A primeira coisa a se destacar é a tensão que é construída, estabelecida e mantida durante toda a sua duração. É impressionante o trabalho de direção feita por Rodrigo Sorogoyen, que nos momentos de silêncio dos personagens, potencializa o sentimento arrebatador e claustrofóbico da película. Após a sessão, a sensação de alívio é impressionante.
O tempo de tela é dividido em duas partes, uma antes e outra após um evento de extrema importância pra toda a narrativa. A segunda parte, entretanto, não consegue acompanhar a grandeza da primeira. Mas isso não diminui em nada a sua qualidade, com cenas tão bem construídas e discussões muito relevantes.
Aliás! Este é um filme que, se possível, assista acompanhado. Não só pra ter um porto-seguro adentrando as duas horas de pura aflição, mas para que após a sessão, você tenha alguém para discutir as tantas questões levantadas pela narrativa. Em resumo, você vai carregar essa história consigo por um bom tempo…
Acompanhado de toda essa carga, temos uma fotografia belíssima. A cinematografia de Alejandro de Pablo não só veste essa história da melhor forma possível, como funciona perfeitamente bem a parte. As caminhadas do casal por entre os vales, os encontros entre os vizinhos no bar de madeira de pouca iluminação, todas as cenas são primorosas em seus enquadramentos e transmitem com louvor a ambientação passivo-agressiva.
Que, claro, não sobrevive somente pela sua complexidade visual. As atuações são avassaladoras, com destaque especial para Denis Menochet, que além de atuar em duas línguas diferentes, consegue manter na voz do personagem sua angustia, seu medo, e até mesmo a sua coragem. Marina Foïs também merece ser ovacionada pela sua performance, que toma uma grande complexidade de acordo com a passagem de cenas, escalando pouco a pouco e nos fazendo mergulhar de cabeça em sua personagem. Todo o resto do elenco também merece aplausos!
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Combinando seus talentos, os diretores utilizam de uma câmera de mão, que a princípio tem extrema importância para a trama, e constroem cenas completas através das suas imagens. E o mais impressionante, é a ressignificação que o objeto passa pela narrativa, refletindo no que é capturado por sua lente.
“As Bestas” estreia 25 de janeiro nos cinemas brasileiros. Não perca a oportunidade de prestigiar um filme tão bem feito em uma grande tela de cinema.
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