Há sempre uma linha tênue na discussão de como o sexo é representado na sétima arte, há sempre um grande interesse na exposição/fetichização de corpos femininos nas grandes telas, e o quanto disso pode ser lido como “liberdade do autor”, e até que ponto isso também pode ser por puro fetiche ou intenção comercial. Abordando esses assuntos, “As Filhas da Fogo” é também um tratado sobre a sexualidade no cinema.
Após uma morte na família, um casal de mulheres, decide viajar para impedir a venda de um antigo carro. Ao longo da viagem elas acabam formando um grupo de mulheres independentes, com quem começam a se relacionar de maneira poliamorosa. Percebendo que já não estão mais presas a velhas estruturas e convenções sociais, o propósito do grupo passa a libertar outras mulheres do ciclo de opressão do qual o grupo conseguiu se libertar.
Ao longo do filme fica claro o interesse da diretora Albertina Carri em evitar dispositivos óbvios dramáticos, todos os assuntos que são interesse do filme surgem por uma narração em off. E se por um lado isso permite um cinema quase que experimental, já que a junção do texto enriquece o sentido da imagem, por outro lado deixa o filme preso em uma série de mini elucubrações que, apesar de sensorialmente interessantes, não oferecem grandes respostas.
Claro que isso não diminui nem um pouco a interessante descoberta de um cosmo sexual feminino que o cinema sempre negligenciou em pró de um fetichismo onanista, a direção de fotografia percorre cada parte do corpo feminino, assim assumindo um aspecto quase documental expositivo de uma natureza ainda desconhecida. O suor, dobras do corpo, a ejaculação, tudo tem seu devido espaço e variações de linguagem durante as sequências. Essas quais, demonstram bem a capacidade do filme em, através do sexo, refletir o universo das personagens – enquanto as primeiras transas tem um aspecto mais naturalistas, em algumas posteriores é usado uma sobreposição de imagens expandido a experiência sexo-sensorial. E isso tudo só fica mais rico quando somado aos mini arcos de emancipação feminina, pelos quais a maioria das personagens passa.
Toda figura masculina representada no filme, reflete por si só aspectos tóxicos e autoritários. Sendo assim, nada mais natural que a liberdade feminina possa ser alcançada a partir do reconhecimento e abandono de estruturas de poder e dominância patriarcais. Isso é muito bem exemplificado em uma sequência de sonho, onde as personagens acabam por assumir esteriótipos visuais ligados a heterossexualidade do homem, e pelo próprio mcguffin que desencadeia a trama.
Uma vez que as personagens viajam com o intuito de evitar a venda de um antigo carro de um pai já falecido, o carro (sendo um símbolo de poder aquisitivo) pode ser lido como um dos signos da dominância masculina, e impedir a venda dele é evitar que esse poder se perpetue nas mãos das mesmas figuras.
Uma experiência sensorial, bem como um ato de rebeldia política, são algumas das possíveis descrições para resumir “As Filhas da Fogo”, porém há filmes em que as experiências dispensam qualquer descrições, e felizmente esse é um deles
Fotos e Vídeo: Divulgação/Vitrine Filmes
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