O paciente apartar das lembranças
Quando seu melhor souvenir, a sua velha memória, começa a te abandonar, o que fazer para não perder o resto de sua existência, o pouco que ainda faz da sua vida algo significante?!
Com um cartaz que não diz muito, bastante simplório por sinal, diferentes daquelas artes extremamente chamativas, “Brevidades” passou pela cidade do Rio de Janeiro angariando um pequeno público, mas dentro do que era esperado em um projeto intimista. A convite do Festival do Teatro Brasileiro, Edição Especial Terceira Idade, mesmo sem gritar através de seu marketing, fui instigado a adentrar a pequena saleta (O hall do Teatro Dulcina) em que seria encenado aquela história. No fim das contas, o cartaz tinha sim o seu potencial. Talvez essa fosse realmente a intenção do diretor, selecionar o seu público ou, por esse, ser selecionado. E foi exatamente isso que aconteceu comigo, entre um ou outro compromisso aquela simples imagem roubou minha atenção, e me fez vivenciar por um breve momento um pouco da vida daquela personagem. E o resultado foi um conjunto de agradáveis surpresas.
“Brevidades” é um monólogo que narra a história de uma atriz perdida em suas memórias devido ao Mal de Alzheimer. Enquanto repete as aflições de uma outra atriz, como uma espécie de exercício de metalinguagem, para os visitantes, suas lembranças se fundem criando infinitas contradições entre o que foi realmente vivido e o que pode na realidade ser apenas parte de sua grande cena.
A descomplicada produção parece ter sido realizada com o que equipe tinha a frente. Não que isso pareça algum tipo de desleixo, pelo contrário, coube perfeitamente ao projeto. Uma vez que a peça necessitava de um pequeno espaço para ser encenada, com o público o mais próximo possível, para a interação da personagem com o mesmo, a nítida verossimilhança com a realidade de uma casa de repouso, encontrada construção das cenas, transformou o despretensioso em extraordinário.
O texto e a direção de Márcio Marciano dançam em perfeita harmonia, criando uma infinidade de caminhos que poderiam ter sido traçados ao longo dos 50 minutos de peça, mas a grande genialidade de Marciano é que ele opta pelo pura e agradável simplicidade do trabalho da atriz. Fora isso, o fato de fazê-la quebrar completamente a quarta parede, tão próxima do público, faz existir um desconforto no mesmo, aproximando ainda mais aquelas cenas de uma possível realidade.
O diretor também é o responsável pelo cenário e a iluminação da peça, que são trabalhados sem muitas pretenções (como já foi dito) em cima da naturalidade. Além da mesa e cadeiras no canto, uma vitrola toca uma uma música antiga, colocada pela própria atriz em certos momentos da encenação. Fora isso, o público ganha vida e torna-se parte da cena em uma euforia infinita.
Adiante do trabalho de Márcio, encontra-se a entrega de Zezita Matos com uma interpretação memorável. Sem muitos recursos técnicos e ou bobeiras cênicas (as quais viraram moda em diferentes outros espetáculos) nos encanta durante todo o tempo com um trabalho tocante e sincero. Ela é a grande anima de cada uma das cenas, pois soube desenvolver com cautela um texto complicado e abraçou com veemência a proposta entregue pelo diretor. Uma performance digna de prêmios, principalmente quando descobrimos que esse é o primeiro monólogo de Zezita.
Infelizmente, “Brevidades” só passou pelo Rio de Janeiro, como um daqueles breves momentos inesquecíveis que torcemos para um dia voltar a fazer parte de nossas vidas. Para que possamos indicar para os amigos, familiares e outros que precisam entender que o pouco que hoje temos poderá um dia tornar-se algo valioso.
Quer estar por dentro do que acontece no mundo do entretenimento? Então, faça parte do nosso CANAL OFICIAL DO WHATSAPP e receba novidades todos os dias.