Em fevereiro, um teaser da primeira temporada de “Cara Gente Branca”, série original da Netflix, provocou revolta e levou a uma campanha de boicote ao programa. Com sua estreia na última sexta 28, fica claro o motivo da comoção – que de forma alguma, é culpa do seriado.
Baseado no filme homônimo de Justin Simien, a trama acompanha os conflitos raciais dentro de uma universidade nos EUA, através do ponto de vista de diferentes personagens. Entre eles, estão Samantha – militante negra, responsável pelo programa de rádio “Cara Gente Branca” -, Lionel – repórter do jornal da universidade-, Reggie Green – também militante e figura de peso na luta contra a racismo na instituição-, Troy – filho do reitor e porta-voz de um discurso menos radical que Samantha – e Coco – ex-amiga de Sam, que busca a ascensão através de uma postura passiva em relação ao racismo institucional da universidade.
Por sua temática, elenco e equipe majoritariamente negra, “Cara Gente Branca” já merece um lugar de honra na televisão contemporânea. Para os que acham os detalhes acima não tão relevantes, o programa – que tem roteiro do próprio Simiens e Barry Jenkins (“Moonlight”) na lista de diretores – traz uma linguagem inovadora e nível de qualidade acima da média.
A cada episódio, enquanto os acontecimentos se desenrolam, conhecemos um pouco mais cada personagem. Não falta variedade. Os personagens são complexos e bem desenvolvidos. A série mostra as diversas formas que o racismo – e também o machismo – afeta homens e mulheres negras, sem julgá-los. Como segue diferentes pontos de vista, vemos algumas cenas mais de uma vez. O recurso poderia soar cansativo, mas funciona muito bem, e reforça a ideia da pluralidade de percepções e discursos.
É preciso destacar a sagacidade e o humor do roteiro. As piadas vão desde sátiras e críticas a outras produções televisas (com direito a uma paródia hilária de “Scandal”), a comoção em volta da morte de um jovem beberrão, os esteriótipos dos alunos de cada curso, até a narração genial feita por Giancarlo Esposito (o Gus Fring de “Breaking Bad”). Isso, é claro, sem contar as que denunciam os absurdos racistas cometidos pelos brancos – por exemplo, quando Troy e Lionel usam identidades falsas para ir a um bar.
Embora seja um ponto forte, o humor não banaliza “Cara Gente Branca”. Em momento algum a série esquece sua essência: um programa de negros para negros, que não tem medo de apontar medos e agressões, mas não subestima a força de seus personagens. Não existem boas pessoas brancas dispostas a ajudar. Existe um sistema que massacra todos que não sejam brancos. O contraste entre o ambiente da Universidade Winchester, com sua sobriedade e elegância, vai de encontro com a agressão cometida pelas caras pessoas brancas.
“Cara Gente Branca” termina seus primeiros episódios com gancho para o futuro, o que é mais do que bem-vindo. Depois de dez episódios vendo o lado mais cruel e ridículo das pessoas brancas sendo exposto – como o jornal “satírico” Pastiche e as homenagens para Thane – pode ser que, como branco, você fique tão inconformado quanto as pessoas que se revoltaram com o teaser da série em fevereiro. De uma cara pessoa branca para a outra: autocrítica nunca fez mal a ninguém.
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