É preciso ter coragem
“Dona Flor e Seus Dois Maridos” é uma das maiores e mais conhecidas obras do autor Jorge Amado. Além de ter sido adaptada como minissérie para a televisão, em 1998, pela Globo, a obra também chegou até a ganhar uma adaptação em 1982, nos EUA, com “Meu Adorável Fantasma” (Kiss Me Goodbye). Contudo, nossa mente jamais esquece o longa dirigido por Bruno Barreto. Feito em 1976, com Sônia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça o longa foi indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Por 34 anos, o longa foi recordista de público do cinema brasileiro. Somente em 2010 foi superado por “Tropa de Elite 2”.
Ainda que esqueçamos as adaptações, o que é quase impossível, a obra literária em si já é um primor. De um peso imenso se tratando dos “retratos” sociais feitos por Jorge Amado e de um humor muito particular, mesmo que soe popular. Esse tratamento presente nas obras do autor, faz com que muitas de suas adaptações sejam fracas, desgostosas e percam seu teor crítico. É exatamente nesse ponto em que se contra o remake de “Dona Flor e Seus Dois Maridos”. A nova versão consegue superar a deplorável dos norte-americanos, mas é preciso coragem. Não só para realizar a produção, como será preciso ter coragem de assistir também.
A produção inicia na morte de Vadinho (Marcelo Farias) durante um bloco de carnaval. Casado há sete anos com Flor (Juliana Paes), abreviação para Florípedes, ele levava uma vida boemia. Sempre no meio de jogatinas e prostitutas. Apesar dessa vida e dos abusos feitos com Flor, a vida sexual do casal sempre foi agitada. Nesse ponto, ela nunca reclamou e estava sempre satisfeita. Após a morte de Vadinho, ela passa um período de luto. Nesse período, lembra os maus e bons momentos com o falecido. Ainda jovem, se casa pela segunda vez com o farmacêutico, Dr. Teodoro (Leandro Hassum), e percebe que sua vida passará ser outra. Seu novo marido lhe dá segurança e conforto. Porém, a vida sexual passa ser bem “comportada” deixando-a desgostosa com a situação. Com o passar do tempo, ela começa a pensar em seu ex-marido com frequência e ele, determinado dia se materializa somente para ela. Com ninguém o vendo, além dela, Vadinho vem para matar as vontades sexuais de Flor, mas ela reluta a cometer a traição.
Com roteiro e direção de Pedro Vasconcelos, o longa não emplaca em absolutamente nada. Começando pelo seu roteiro, a estrutura genérica como se apresenta a história é de dar arrepios. De pavor, é claro. A impressão deixada, caso não haja conhecimento sobre a obra original, é que ela é a adaptação da adaptação. Os diálogos seguem uma dinâmica pontuada no óbvio e cheia de graças vazias. É como se quisesse resumir e popularizar, ao extremo, toda a trama. Sua condução como diretor cai no novelesco com perspectiva de sitcom decadente. Os momentos cômicos, em grande maioria desnecessários, usam mecanismos exacerbados e desgastantes. Só faltava colocar o som de uma plateia rindo para descer a ladeira de vez.
Se entrarmos no mérito dos planos, ele consegue trazer cenas que embora sexuais, percam a intensidade da sexualização. O que é muito bom. Mas por outro lado, suas execuções são mecânicas demais, seguindo uma espécie de prognóstico básico para iniciante em audiovisual. Quando ele resolve apostar em um plano mais ousado, Pedro mata sua própria ideia mostrando do alto a morte de Vadinho, com uma figuração escassa e paupérrima, se tratando de um bloco da carnaval em salvador. Mesmo sendo na década de 1940.
Junto a isso, ainda podemos colocar em voga a direção de fotografia, que força uma áurea solar de textura envelhecida. Tal proposta em nenhum momento consegue ser crível, pois, embora bem trabalhada, a produção e e o departamento de arte esqueceu a sujeira. Tudo é muito clean e organizado, tudo no devido lugar. Só que assim como o teor escrito por Jorge Amado, o texto é sobre sujeira social, sobre a imundice humana que perpetua em sua imagem, mas aqui passa quase despercebida e/ou é ignorada. Mas não suficiente, talvez por falta de verba, a trilha sonora é a cereja do bolo. Podemos defini-la em: Cansativa, melodramática, repetitiva e mal utilizada. Nem as duas canções na voz de Maria Bethânia conseguem driblar o demérito musical.
Pelo fato de ter ficado muitos anos em cartaz com o espetáculo e ser realizado pela Reginaldo Faria Produções Artísticas, Marcelo Faria é um dos protagonistas. Seu Vadinho é ok, nem mais nem menos que o necessário dentro dessa obra. Embora suas caras e bocas de “cafajeste” sirva para o personagem, não temos aqui nenhum grande momento, seja pelo texto e/ou pela atuação. Leandro Hassum exerce o mesmo, mas sua caricatura conservadora para o Dr. Teodoro em alguns momentos extrapola e soa forçado. Para completar, com a falta de criatividade da produção de elenco, temos Juliana Paes como outra protagonista de obras do Jorge Amado. Depois de ter destaque na novela “Gabriela” (2012), aqui ela desenvolve uma boa carga emocional e nos momentos mais leves é a que mais se destaca. Porém, ela está bem longe de executar um trabalho tão bom se comparado a outros de sua carreira.
Com um bom elenco coadjuvante, o longa consegue um respiro com eles, mas fica longe de ser algo relevante dentro da produção. Infelizmente, mais uma vez, Jorge Amado se revira no túmulo. Depois do péssimo “Capitães da Areia” (2011) dirigido por sua neta, Cecília Amado, mais uma vez sua obra se tornou questionável no cinema. Assistir a essa nova adaptação, ou chame de remake se quiser, é uma escolha própria e sem volta. “Dona Flor e Seus Dois Maridos” é sem tempero, sem essência e sem força. Se precisa de coragem para fazer Jorge Amado, você precisará de mais coragem para encarar 1h48 de filme.
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